GRANDIOSO AQUELE QUE ALICERÇADO PELA
HUMILDADE TORNA-SE CAPAZ DE RECONHECER A SUA PEQUENEZ”
HUMILDADE
Trata-se de um simples e nutritivo
coquetel, porém de difícil preparo. Permite ao ser humano valorizar
ingredientes sutis que muitas vezes despreza e joga fora, tornando-se capaz de
identificar-se com o divino sabor de ser ele mesmo e não com o pretensioso
desejo de ser um Deus onipotente. É como se esta bebida ativasse a consciência
real que o ser humano precisa ter de si, tornando-o mais receptivo à sua
própria pessoa e aos outros.
CUSTO
O
preço a ser pago é o doloroso reconhecimento de nossa impotência e fragilidade.
TIRA-GOSTO
DE DESEJOS ERRANTES A DESEJOS VITAIS
MAIOR CONTENTAMENTO NÃO HÁ
EM VIVER E SENTIR O MUNDO
DESEJEI MAIS
MAIOR CONTENTAMENTO NÃO HÁ
EM VIVER E SENTIR AS PESSOAS
DESEJEI MAIS
MAIOR CONTENTAMENTO NÃO HÁ
EM VIVER E SENTIR VOCÊ
DESEJEI MAIS
MAIOR CONTENTAMENTO NÃO HÁ
EM VIVER E SENTIR-ME
DESEJEI MAIS
DESEJOS ERRANTES
FEZ A VIDA PARECER CARA
VENDENDO A MORTE A PRESTAÇÃO
DESEJEI TRANSFORMAR O MUNDO
AO INVÉS DE SER TRANSFORMADA
POR ELE
ONIPOTÊNCIA
DESEJEI SER RECONHECIDA POR
TODOS
AO INVÉS DE RECONHECÊ-LOS
VAIDADE
DESEJEI SER A FONTE MAIOR E
EXCLUSIVA DE SEU DESEJO
AO INVÉS DE SER UMA FONTE QUE
NÃO MATA A SUA SEDE, APENAS A SACIA
POSSESSIVIDADE
DESEJEI SER O MÁXIMO
AO INVÉS DE SER O MÍNIMO
POSSÍVEL DIANTE DO INFINITO
AMBIÇÃO
DESEJEI TER UM CORPO PERFEITO
AO INVÉS DE VIVER E SENTIR O
MEU
COMPLEXOS
DESEJOS ERRANTES
TORNOU O VIVER INACESSÍVEL
TRANSFORMOU A MORTE EM LEI
DEREPENTE ME VEJO EM
TRANSIÇÃO
TRANSGREDINDO A ERRATA LEI
VIVENDO O REVÉS DOS ERRANTES
DESEJOS
REVERTE-SE A ORDEM DO DESEJO
A VIDA PASSA A SER A LEI
GERMINANDO BROTOS DE DESEJOS
VITAIS EM MIM
MESMO QUE NÃO SEJA VIVIDA E
SENTIDA POR INTEIRO
SINTO O GOSTO DA VIDA
SABOR DE QUERO MAIS
QUERO MAIS É ME TRANSFORMAR
ACEITAR A IMPOTÊNCIA
TRANSFORMAR ONIPOTÊNCIA EM
POTÊNCIA
QUERO MAIS É RECONHECER A
TODOS
RECONHECER QUE SOMOS PARTES
TER A HUMILDADE DE SER PARTE
DE UM TODO
QUERO MAIS É SER UMA SIMPLES
FONTE
NÃO SER A DONA DE SUA SEDE
DOAR A MINHA ABUNDÂNCIA
QUERO MAIS É SER O MÍNIMO
POSSÍVEL
E NÃO ME ESTRESSAR TANTO
COMPREENDER QUE O MÁXIMO É
INALCANÇÁVEL
QUERO MAIS É SENTIR E VIVER O
MEU CORPO NORMAL
NÃO SER TÃO PERFEITA
ACEITAR A MINHA IMPERFEIÇÃO
QUERO MAIS É SEGUIR EM FRENTE
DEPARAR-ME COM O INFINITO E
COM A ETERNIDADE
CONCLUIR QUE NÃO SE CONCLUI
NADA
INGREDIENTES
Um cálice bem caprichado de
autoconhecimento
Uma boa dose de aceitação
Simplicidade a gosto
PREPARO
Antes de começar a preparar, abra a geladeira e sua
despensa verificando quais os ingredientes que você realmente possui. Se tentar
fazer este coquetel com ingredientes que gostaria de ter e não com os que têm
disponíveis, não conseguirá executar nem mesmo a primeira etapa e correrá o
risco de preparar doses de orgulho e inveja que além de lhe intoxicar poderão
também lhe causar uma ressaca horrível no dia seguinte.
Se durante o preparo encontrar
fragilidade e impotência, não tema o seu efeito no coquetel. Elas poderão ser
adicionadas sem riscos para a sua saúde, bastando que você as use para
certificar-se de seus limites e não para imobilizar-se. Conhecer os limites nos
ajuda a não estragar a receita, colocando quantidades exageradas ou ínfimas de
um ingrediente fundamental. O autoconhecimento lhe ajudará muito neste sentido atuando
como um processador de alimentos congelados e esquecidos que julgava
insignificantes. Lembre-se sempre que a insignificância não existe para quem dá
significado à vida. Ela nos é injustamente imposta quando nos embriagamos com
doses de vaidade e orgulho.
Dos ingredientes que você descobriu
possuir e resolveu utilizar em seu coquetel, adicione igual quantidade de
simplicidade e adoce com aceitação. Misture tudo com bastante energia até obter
uma bebida bem cremosa, que deverá ser ingerida por você e por todos que
tiverem humildade para prová-la com a valiosa consciência de que nenhuma marca
de bebida, por mais cara que seja, não é
excepcionalmente mais importante do que a nossa própria marca.
Desta bebida, você pode beber sem
receios. Não provoca ressaca moral, principalmente aquela ressaca de humilhação,
quando nos embriagamos com o orgulho ou com a mediocridade. A única sensação que
provoca será a deliciosa vibração de paz e felicidade.
SOBREMESA
O
GRÃOZINHO DE AREIA
DEDICO ESTA ESTÓRIA A TODO GRÃOZINHO DE
AREIA QUE ÀS VEZES SE DEBATE COM A SUA CONDIÇÃO, MAS QUE BUSCA LÁ, NO FUNDO DO
SEU SER, O NOBRE SENTIDO DE SÊ-LO.
Era uma vez um grãozinho de areia
chamado José. José andava muito insatisfeito consigo mesmo. Achava que a vida
de grão de areia não valia à pena. Pensava que talvez valesse mais à pena ser
uma estrela ou qualquer outra coisa que fosse grande, luminosa, forte e poderosa.
Tinha vontade de deixar de ser um grão de areia, mas não sabia como deixar de
sê-lo. Chegava a pensar que, se talvez fosse levado ao vento, solitário,
pudesse deixar de sê-lo, mas era sempre advertido de que este seu desejo era impossível. E
assim vivia em eterno conflito consigo mesmo.
José encontrava, frequentemente, ao seu redor muitos grãos de areia assim como
ele, todos lamentando a sua lastimável condição de ser um simples grão. Um dia,
porém, viu uma grãozinha sorrindo alegremente no meio de tanta lamentação.
Surpreso, perguntou à mesma:
—
O que faz de você um ser tão feliz?
—
Viver é uma grande felicidade! Respondeu a grãozinha irradiando entusiasmo pela
vida.
—
Viver pode ser bom para uma estrela, mas para um grão de areia... É terrível
ser um grão de areia. Lamentou José.
—
Mas eu sou também um grão de areia e não me sinto infeliz na minha condição de
sê-lo. Qual a diferença entre um grão e uma estrela? Perguntou a grãozinha.
—
A estrela vive nas alturas, é grande e brilha. Nós vivemos aqui em baixo
podendo ser pisado por todos e, além do mais, somos minúsculos e opacos.
Respondeu José cheio de insatisfação.
—
Nossa, que jeito mais esquisito de enxergar a vida! Exclamou a grãozinha cheia
de indignação.
—
E por acaso há outra maneira de enxergar esta vida miserável? Perguntou José
desafiando a grãozinha.
—
Eu não sei se o meu jeito de enxergar é certo ou errado, só sei que é
completamente diferente do seu.
Tentando ironiza-la José falou:
—
Se o jeito que você se enxerga for bom, talvez você esteja cega.
A
grãozinha com toda delicadeza e humildade falou com ternura:
—
Talvez eu seja
cega mesmo e com isto tenha adquirido a capacidade de enxergar diferente. Você
enxerga usando a mágoa como instrumento. Eu utilizo o meu coração e dentro dele
há muito amor, principalmente por mim.
—
O amor faz a gente se enxergar diferente? Perguntou José.
—
O amor faz a gente enxergar tudo belo! Esse seu jeito estranho de enxergar a
vida me faz pensar que lhe falta amor.
—
Você está querendo dizer que não existe amor na minha vida? Que petulância! Eu
sei muito bem o que vem a ser o amor. Censurou José àquela grãozinha que
parecia tê-lo desafiado naquele momento.
—
Eu não estou querendo dizer que não existe amor na sua vida. Eu estou querendo
dizer que lhe falta amor. Existir e faltar são duas coisas bem diferentes. É
justamente por existir que você sabe o que é, e é por saber o que é que você se
sente mal quando o amor lhe falta. Ponderou a grãozinha com sabedoria.
—
E quanto de amor me falta? Perguntou o grãozinho curioso.
—
Amor não se mede, amor se sente. Falta apenas você sentir amor por si mesmo.
Explicou a grãozinha.
—
Me diga como se faz isto, pois na verdade eu sempre passei a minha vida
preocupado em sentir amor pelos outros e tentando comprovar o amor que os
outros sentiam pela minha pessoa.
Buscando a aprovação de todos acabei me esquecendo de mim. Lamentou José.
—
Você pode começar por aí, por lembrar-se mais de si mesmo.
—
Isso não funciona. Eu passo o dia inteiro me lembrando desta coisa horrível que
sou e a estrela que não consigo ser. Tudo seria perfeito se eu fosse uma
estrela.
A
grãozinha já estava quase perdendo a paciência com o jeito pobre e pequeno que aquele
grão tinha de se perceber. Ela, grão como ele, não se via assim. Onde estava a
diferença? Tentando ajudá-lo resolveu persistir naquela conversa.
—
Pare com este seu jeito de queixar-se da vida e de si mesmo! Enquanto você não
corrigir este seu comportamento autodepreciativo você não conseguirá se amar.
Sem amar a si mesmo tornará impossível amar a vida por mais bela que ela seja.
Tente se conhecer melhor. Será que não percebe a importância de um grão de
areia?
José foi ficando assustado com a
firmeza da grãozinha. Limitou-se a ficar caladinho escutando a bronca de um ser
que se dizia igual a ele, mas que parecia, ao mesmo tempo, ser tão diferente.
Não conseguia encontrar uma razão sequer que pudesse justificar a importância
de um grão de areia. Ela, por sua vez, continuava falando, tentando buscar, se
necessário, no lugar mais longínquo do universo uma razão para a sua
existência.
—
Eu me aceito porque sei que tudo tem uma razão de ser. Se sou uma pequena grãozinha é porque o universo precisa muito de mim. Se o universo
não precisasse de mim, eu não seria um grão, eu simplesmente não existiria. O
universo precisa que eu seja um grão e não uma estrela, assim como você. O fato
de sermos uma coisa e não outra, não aniquila o nosso valor. A quem foi dado o
poder de atribuir valor a coisas? Perguntou a grãozinha desafiando José que afirmou
logo em seguida:
—
Boa pergunta. Eu não saberia respondê-la.
—
Pois, eu sei! Este poder foi dado a todos nós. Valemos por aquilo que afirmamos
ser, como tudo aquilo que nos rodeia. Eu não sou como você que não se atribui
valor algum. Eu me sinto importante, pois fui inteligente o suficiente para
criar uma razão que pudesse me transformar num ser significativo e
indispensável neste universo. Ninguém neste mundo conseguiria aniquilar o meu
valor, pois eu já o defini. Sou um grande tesouro!
José deu uma grande risada e falou com
sarcasmo:
—
Deixa de ser pedante! Por que você não consegue enxergar a realidade e se
aceitar como um ser pequeno, opaco e cravado neste chão?
—
Você é quem não consegue enxergar a realidade e se aceitar como é. O seu
orgulho lhe deixa cego. Não sou eu quem estou lamentando a condição de ser um
grão. Eu aceito a minha condição, você não. O fato de sermos pequenos não
significa que não sejamos grandes. O fato de sermos opacos não significa que
não tenhamos o nosso brilho. O fato de estarmos cravados no chão não significa
que não estejamos nas alturas.
Sem entender aquilo que a grãozinha tinha acabado de
falar, José enrugou a testa num sinal de reprovação. A sua expressão denotava
grande insatisfação. Parecia desejar ser o universo e não o grão que o
constituía.
A
grãozinha, por sua vez, permaneceu ali, feliz.
Uma das coisas que lhe dava imenso prazer era olhar para uma linda
estrela abaixo da terra que sempre dirigia o seu olhar para cima admirando este
gigantesco planeta. O brilho do olhar dela era tão intenso que a grãozinha
conseguia adivinhar o que aquela estrela
pensava. Com certeza ela dizia:
—
Que planeta maravilhoso! De quantos grãos é feito a terra? Abençoados sejam
todos eles, ali juntinhos, criando o chão que abriga tantas espécies,
tanta riqueza e tanta beleza. Majestosa grã!
Esta estória termina com o universo
sussurrando no ouvido desta estrela:
—
Daí não dá para você enxergar, mas habita este planeta um grão megalomaníaco
chamado homem, que não descobriu ainda o sentido e a consistência de ser um
simples grão. Ao invés de se sentir parte, ele se sente o todo – O TODO
PODEROSO. Com isso ele sofre. Sofre ao descobrir que não tem tanto poder quanto
gostaria. Se não descobrir a parte importante que é, e principalmente a parte
importante que cada espécie que habita este maravilhoso planeta representa,
acabará transformando a majestosa grã em pó.
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