segunda-feira, 21 de outubro de 2013

LIBERDADE



“ASSUMIR A LIBERDADE É PRENDER-SE À DIFÍCIL RESPONSABILIDADE DE SER DONO DA PRÓPRIA VIDA”




LIBERDADE



Liberdade é um prato que lhe faz adquirir a mais desejável, porém temível e difícil conquista: “ser dono de si mesmo”.



CUSTO



Liberdade não é gratuita, custa direitos e deveres. Os direitos adquiridos possuem o valor de proporcionar-lhe a possibilidade de fazer tudo que desejar. Os deveres lhe concedem o alto preço da responsabilidade de assumir as consequências de todos os seus atos. “Ter direitos custa o dever de assumir riscos e consequências”.



TIRA GOSTO



BICHO HOMEM


PENSAR EM LIBERDADE
É APRISIONÁ-LA
NA GAIOLA DA MENTE
ACORRENTANDO COM A RAZÃO
A NOSSA RAZÃO DE SER


CONQUISTAR A LIBERDADE
PRESSUPÕE JÁ TÊ-LA PERDIDO
LIVRE É
SEM PRECISAR SER
LIVRE DE BATALHAS OU CONQUISTAS


NENHUM BICHO
SUA LIBERDADE QUESTIONA
SÓ O BICHO HOMEM
QUE DONO SE JULGA
DO QUE É INAPROPRIÁVEL


O BICHO HOMEM
FINGE QUE É DONO
AO OUTRO DÁ LIBERDADE
SÓ NÃO CONSEGUE DAR
LIBERDADE A SI MESMO


BICHO HOMEM
PROPRIETÁRIO APRISIONADO
ESCRAVO DE SEUS ESCRAVOS
SABE APRISIONAR
LIBERTAR JAMAIS


QUAL O SENTIDO DA LIBERDADE
PARA O BICHO HOMEM
QUE ESCRAVO DA INSENSIBILIDADE
NÃO SENTE MAIS
O SENTIDO DE SENTIR


BICHO HOMEM
ESPÉCIE QUE SE JULGA
ESPECIAL
ESPECIALMENTE CAPAZ
DO OUTRO SE APROPRIAR E SER APROPRIADO


BICHO HOMEM
APRISIONA OUTRAS ESPÉCIES
APRISIONA A SUA PRÓPRIA
ESTRANHO JEITO DE SER
SER HOMEM


QUE O BICHO HOMEM POSSA
DEIXAR DE SER HOMEM
E  TORNAR-SE BICHO
E COMO BICHO
LIBERTAR-SE



INGREDIENTES


MASSA: Coragem, segurança, independência e responsabilidade.
RECHEIO: Os mais variados direitos que possuir


PREPARO



         É parecido com o preparo de uma pizza. Primeiro prepare a massa, misturando bastante coragem, segurança, independência e responsabilidade. Amasse bem até sentir firmeza, ou seja, produza uma massa homogenia e consistente o suficiente para não agarrar nos dedos de suas mãos. Se estiver agarrando é porque não tem ainda a firmeza necessária para ir ao quente forno da vida. Talvez precise ser mais trabalhada, ou de uma quantidade maior de um dos ingredientes acima. No entanto, quando estiver firme e soltando de suas mãos, disponha-a no tabuleiro de seu ser e jogue por cima o delicioso recheio dos direitos. Unte o tabuleiro com seus deveres, para não agarrar e destruir tudo que foi construído até então. Seguidos todos estes passos, é só colocar para assar numa vida quente que jamais lhe deixará sentir a frieza do exílio e do aprisionamento.



SOBREMESA



CARTA DE ALFORRIA


         Num reino distante existia um rei e uma rainha que aguardavam ansiosos o nascimento de um filho. O feiticeiro da corte previu o nascimento de uma bela menina que foi aguardada com muita alegria por todos.
         No dia do nascimento, todas as personalidades dotadas de poder foram convidadas para presentear a nova princesa com os mais variados dotes que pudessem ofertar à vida da mesma a plena felicidade. Como todo conto de fadas existe uma bruxa má, a dita cuja não poderia deixar de habitar este conto e visitar a bela princesa bem no dia de seu nascimento oferecendo a ela a sua maldição. Pegou a criança no colo e rogou sobre a mesma toda a sua maldade:
— Terás o título de princesa, mas será uma verdadeira escrava!
         Perplexos com tamanha crueldade, expulsaram a maldita bruxa do aposento onde se encontravam todos os convidados. Como ela fora a primeira pessoa a presentear a princesa, os outros convidados trataram de desejar à mesma todas as honrarias e poderes que pudessem libertá-la de tamanho infortúnio.
— Serás sempre a mais linda moça do reino. Ninguém conseguirá ultrapassar a sua beleza. Dona de tanto encanto, jamais correrá o risco de se tornar uma escrava.
— Terás a pele branca e fina como seda, sendo, portanto, impossível confundi-la com uma escrava.
— Terás muitas posses,  serás dona de tudo, sendo, portanto, inadmissível ter um dono.
         O rei na condição de pai lhe ofertou um nome e uma grande pedra valiosa:
 — Dar-lhe-ei o nome de Libéria, que significa livre, para que carregue para sempre em sua identidade a marca da liberdade. Receba também este cristal, para que sua vida possa emanar a energia da prosperidade.
         Por último, apareceu uma respeitável fada que com muita ternura rogou-lhe uma preciosa oferta que, mesmo não sendo compreendida, foi ouvida e aceita por todos sem objeções:
— Ofereço-lhe a sua carta de alforria. Aos 21 anos, poderá desfrutá-la, deste que reconheça o senhor que lhe escravizará por todo este tempo, podendo finalmente se libertar dele.
         O tempo foi passando, a princesa foi crescendo e se transformando, dia após dia, na moça mais bela do reino. Uma complexa rede de artimanhas e defesas era a
 todo o momento montada para impedir que a maldição da bruxa se concretizasse. Todos os desejos da princesa eram satisfeitos imediatamente, não lhe era permitido viver nenhuma frustração. Ao seu lado, sempre existia alguém pronto a atendê-la; jamais experimentava a condição de estar só para não correr o risco de desejar e não ser prontamente atendida. Nunca lhe foi solicitado que desenvolvesse qualquer tarefa; por mais simples que fosse, havia sempre alguém que pudesse desenvolve-la por ela. Era apenas atendida, jamais vivera a experiência de atender alguém.
Sua pele era tão branca e fina que não podia ser tocada diretamente pelo sol. Quando saía para dar um passeio pelos arredores do castelo, havia sempre um guarda-sol a proteger sua pele de qualquer raio solar que pudesse agredi-la.
Enormes espelhos foram espalhados pelas paredes do castelo para que a princesa pudesse se distrair contemplando sua beleza, obstinando-se a buscar sempre a perfeição. Ela era o padrão e a referência de beleza para as outras moças do reino. Todas desejavam ser igual a ela, para que pudessem ter a chance de serem desejadas e apreciadas pelo tão esperado príncipe encantado. Sem perceber, Libéria foi se tornando escrava de sua beleza.
Uma princesa tão bela e perfeita deveria se casar com um príncipe belo e perfeito. Todos os sábios da corte foram convidados para ajudar a escolher um homem que conseguisse se encaixar dentro dos padrões de perfeição exigidos. O tempo foi passando e nenhum jovem conseguia satisfazer as exigências solicitadas. Um clima de ansiedade passou a reinar naquele império de desejos inalcançáveis e a jovem princesa foi ultrapassando a época julgada ideal para um casamento. Para que este problema pudesse ser resolvido sem gerar maiores conflitos, estabeleceu-se que, a partir daquela data, o ideal seria casar-se aos 21 anos. Este passou a ser mais um padrão criado a partir das necessidades da princesa e todas as jovens tratavam de segui-lo, sem questionamentos, para se aproximarem ao máximo do ideal estabelecido.
O tempo continuou passando e finalmente a princesa completou 21 anos. Mais uma vez não foi encontrado nenhum jovem que pudesse satisfazer os padrões de perfeição exigidos para uma princesa de tamanha categoria. Todos se reuniram novamente, tentando criar mais uma forma de solucionar este conflito antes que ele pudesse ser vivido e sentido pela princesa. Sem encontrar uma solução para o mesmo, resolveram consultar a respeitável fada que, no dia do nascimento da princesa, ofertou-lhe um presente incompreensível e misterioso: sua carta de alforria. Indagaram-na sobre a má sorte de Libéria.
— A maldição de se tornar uma escrava não recaiu sobre a nossa querida princesa; no entanto, precisamos libertá-la da má sorte de não ter encontrado ainda um casamento perfeito. A dita carta de alforria que você lhe ofertou em seu nascimento teria a finalidade de libertá-la deste infortúnio?
— Não. A carta de alforria que lhe ofertei a libertaria da escravidão que a bruxa lhe rogou. Respondeu a fada com firmeza.
— Como pode afirmar ser a princesa uma escrava? Perguntaram perplexos.
— Ela é tão escrava quanto cada um de vocês. Continuou a fada.
— Nós não somos escravos. Afirmaram.
— Vocês são escravos de sua cegueira, ou seja, de tudo que não conseguem enxergar.
         Sem quererem enxergar aquilo que os escravizava, mas sentindo-se responsáveis pela liberdade da princesa perguntaram ansiosamente:
— Diga-nos então o que podemos fazer para libertar pelo menos a nossa princesa, para que ela possa finalmente se casar.
— Deixe que ela se case primeiro com ela mesma. Proferiu a fada, com sabedoria.
         Todos se entreolharam confusos. Nunca ouviram falar que alguém pudesse casar consigo mesmo. Desesperados, sem encontrar saída para aquela situação conflituosa, apelaram para a sabedoria da tão respeitável fada, depositando sobre a mesma toda a esperança. Trataram rapidamente de providenciar o encontro da princesa com aquela entidade misteriosa e, ao mesmo tempo, fantástica, que a libertaria.
         Diante do espelho Libéria se enfeitava e contemplava sua beleza. Viu repentinamente a imagem da fada refletida ao lado da sua. Surpresa, perguntou:
— Quem é você?
— Eu sou sua fada madrinha.
— O que faz aqui?
— Eu vim finalmente entregar-lhe o presente que lhe ofereci há 21 anos.
— Obrigada! Pode deixá-lo sobre a mesa que tratarei de abri-lo e apreciá-lo. Agradeceu a princesa.
— Ao invés de abri-lo, terá primeiro que se abrir para ele e ao invés de apreciá-lo, terá de conquistá-lo. Ponderou a fada.
— Que tipo de presente é este? Recebi presentes durante toda a minha vida. Sempre segui o ritual de abri-los, apreciá-los e fazer uso deles. Isto é tudo que sei fazer com aquilo que me é oferecido. Explicou Libéria.
— Trago-lhe um presente diferente de tudo que já recebeu. Aliás, trago-lhe pela primeira vez a possibilidade de experimentar um sabor que desconhece.
— Que sabor desconheço? Perguntou Libéria
— Você desconhece o sabor das conquistas. Tudo lhe foi dado, você nunca precisou conquistar nada. Você tem tudo e ao mesmo tempo não tem nada. Tudo que possui foi conquistado graças ao suor de uma outra pessoa, que você nem mesmo se deu ao trabalho de saber quem. Além de suar para você, este outro também desejou para ti aquilo que você inocentemente julgou ter desejado. Na verdade, tudo que deseja é uma extensão do desejo do outro. Da vida você pouco conhece e é justamente o conhecimento da mesma que nos permite desejar ardentemente ou colocar limites aos nossos desejos.
         A princesa ficou muito assustada com tudo aquilo que a fada acabara de lhe dizer. Mesmo sem arredar o pé da frente do espelho, sentiu-se jogada num mundo completamente diferente. Num passe de mágica, a imagem que viu diante de si não era mais daquela princesa que por anos se contemplou cheia de vaidade. Viu a imagem de uma mulher feia, comodista, fútil, insegura e sem vitalidade. Pela primeira vez, experimentou o sabor do desespero e, tomada  pelo mesmo, jogou sobre o espelho o cristal presenteado pelo seu pai no dia de seu nascimento, simbolizando a prosperidade que tanto desejava à filha. O espelho se espatifou em pedacinhos,  ferindo as mãos da princesa. Imediatamente, vários servos se aproximaram assustados, recolhendo a princesa com a finalidade de providenciar os recursos necessários para tratar do seu primeiro ferimento. A fada se interpôs-se com firmeza, expulsando-os daquele aposento:
— Deixem Libéria tratar de si mesma.
— Eu não sei tratar de minhas feridas! Exclamou Libéria tomada de pânico.
— Aprenda! Desafiou a fada.
— Como aprender, se nunca me ensinaram? Questionou a princesa.
—Às vezes, é necessário ensinarmos a nós mesmas a melhor maneira de agir. Expôs a fada com sabedoria.
— E como se faz isto?
— Experimentando.
— O que devo experimentar agora? Perguntou Libéria ansiosa por uma resposta.
— Experimente o presente que estou lhe oferecendo. Respondeu a fada, cheia de entusiasmo.
— Que presente é este que está me oferecendo e que eu não consigo enxergar?
— Na verdade, já está começando a enxergar este presente, só não sei ainda se vai apreciá-lo e querer usufruí-lo.
— Não estou conseguindo entender nada. Seja mais clara e me fale que presente é este. Solicitou com imposição a princesa.
— Eu lhe trouxe a sua carta de alforria.
— Para que serve uma carta de alforria?
— Para liberta-la.
—Libertar-me... Como assim, não entendi.
         A fada contou à princesa toda a história de seu nascimento, história até então desconhecida. Libéria ficou indignada com o destino que lhe impuseram. Percebeu que não fora, até então, dona de sua própria vida e que em nenhum momento lhe foi permitido escrever nem uma linha sequer de seu destino. Decepcionada, perguntou à fada:
— Quer dizer que sou uma escrava vestida de princesa?
         Sem responder diretamente a sua pergunta, a fada lhe fez uma outra, que pudesse forçar a princesa a pensar sobre a sua condição.
— Você se sente livre?
— Nunca pensei e nem me dei conta disto. Pela primeira vez, você está me fazendo pensar sobre alguma coisa. Acho que me tornei escrava da minha alienação, dos desejos que todos tiveram de me fazer feliz, enfim, me tornei escrava de um grande vazio.
— Libertar deste vazio pressupõe assumir uma série de responsabilidades. Advertiu a fada madrinha.
— Sinto que não conseguirei voltar atrás depois desta tomada de consciência. Eu não sei ainda se eu era feliz ou infeliz absorta em tanta alienação. Eu só sei que o momento presente me solicita que eu seja eu, e a única coisa que sei a meu respeito é que sou Libéria. Como Libéria, eu carrego a liberdade em minha identidade e desejo experimenta-la.
— A sua tomada de consciência se transformou na valiosa carta de alforria que lhe presenteei. Agora você é finalmente livre para escolher ser escrava ou dona de si.
— Quer dizer que se é livre para escolher, inclusive ser escravo?
— Se é livre para escolher ser dono de si e escravo, se é livre para escolher pela vida e pela morte, se é livre para escolher ser feliz ou infeliz, enfim se é livre para SER. A liberdade não é uma forma ou condição de ser, a liberdade é, na verdade, um espaço de escolha. No entanto, só conseguimos ocupar este espaço quando tomamos consciência da sua existência. Elucidou a fada.
— Então, liberdade não é poder fazer tudo aquilo que se deseja? Perguntou Libéria.
— Você tem a liberdade de fazer até mesmo aquilo que não deseja. Na verdade, o ser humano tudo deseja, mas existem limites que restringem a satisfação destes desejos. Ser livre não pressupõe jamais não ter limites. Ser livre é poder administrá-los. A consciência destes limites nos permite usar a nossa liberdade com mais sabedoria.
— Talvez liberdade seja a conquista do poder de administrar a nossa própria vida. Concluiu Libéria.
— Administrar bem ou mal. Finalizou a fada, sorrindo.
         Libéria agradeceu muito o presente que sua fada madrinha lhe ofereceu. Apesar de doloroso, fora também o presente mais valioso que recebeu em sua vida. Quanto ao destino desta princesa, poucos souberam me informar. Fiquei sabendo apenas que não aceita mais babás ao seu lado, apanha sol todas as manhãs tomando os devidos cuidados com os raios ultravioletas, que chegaram a lhe causar, numa certa ocasião, uma terrível insolação por ter abusado e não reconhecido os limites saudáveis ao corpo. Aprendeu também a tratar de seus ferimentos sozinha, mesmo carregando algumas cicatrizes pelo corpo. Dizem que demorou muito a se casar, pois afirmava estar em lua de mel consigo mesma. Muitos acharam que estivesse ficando maluca, mas parecia não estar nem ai para qualquer comentário que fizessem a seu respeito. Quando. Finalmente, decidiu se casar, tudo indica que não escolheu um príncipe encantado. Escolheu um homem que parecia não ser perfeito, pois ela dizia ter casado bem as imperfeições dele com as suas, administrando-as da melhor maneira possível.
         Não conheci a Libéria desta história, mas conheci inúmeras Libérias ao longo de minha vida. Tem uma inclusive que nasceu e reside dentro de mim. Ela está agora me fazendo um pedido que deverá ser repassado a todos vocês:
— LIBERTE-SE!
         No entanto, se você é daqueles que possui muito medo da palavra liberdade, ela lhe sugere uma outra:

— ADMINESTRE-SE!