AMIZADE
A amizade é um delicioso chá que é, ao mesmo
tempo, estimulante e tranquilizante. Tem o poder de aliviar aqueles sintomas
indesejáveis da solidão e faz com que
nos sintamos inteiro, mesmo quando estamos juntando nossos cacos.
CUSTO
Não se paga nada por uma amizade, apenas se ganha o prêmio de amar
e ser amado. É bom estar atento, pois se estiver pagando alguma coisa é porque
não se trata de uma amizade sincera. Existem pessoas ciumentas e possessivas
que, no auge de suas paixões, não conseguem ser um amigo e não permitem tê-lo por perto. Cuidado com elas,
pois são capazes de fazer você pagar caro por uma amizade que não lhe custa
nada; que lhe custa apenas o direito de ser feliz e de ter alguém que também te
ama.
TIRA GOSTO
AMIGO
DO INIMIGO
INIMIGO
AMIGO QUE NÃO PÔDE SER
NÃO SENDO
DEIXOU DE SER
ELE MESMO
BRIGANDO COMIGO
BRIGANDO CONTIGO
UMA BRIGA SÓ SUA
AMIGO
INIMIGO QUE NÃO PÔDE SER
NÃO SENDO
DEIXOU DE SER
RÉU
VÍTIMA DE SI
MINHA VÍTIMA
SUA VÍTIMA
UMA VÍTIMA NO MUNDO
VITIMADO
PELO RÉU QUE O HABITA
O INIMIGO APRISIONA O AMIGO
EM SUA NECROZADA FERIDA
QUE AMPUTA
COM O BISTURÍ DA VINGANÇA
UM PEDAÇO DE SI
LIMITANDO-SE
ESTIMADO
PELO SER QUE O HABITA
O AMIGO TRANSFORMA O INIMIGO
LIBERTANDO O RÉU
APAZIGUANDO A VÍTIMA
CURANDO A FERIDA
COM A INSTRUMENTAL SABEDORIA
QUE O ENGRANDECE
AO AMIGO
BASTA SER
AO INIMIGO
TRANSFORMAR-SE
NO INTERIM DA TRANSFORMAÇÃO
SÓ O AMIGO
FAR-SE-Á DO INIMIGO
UM AMIGO
INGREDIENTES
Cuia do Amor
Fluido da
disponibilidade
A bombinha da abertura
Ervas da alegria, da
solidariedade, da sinceridade, enfim, escolha a erva que melhor fizer a sua
cabeça no momento em que estiver precisando dela.
PREPARO
A forma de se preparar
e tomar este chá é muito parecida com o preparo do chimarrão gaúcho. Se você
for gaúcho, vai entender facilmente como se prepara o chá da amizade. Se não
for e se nunca tiver ouvido falar ou experimentado um saboroso chimarrão,
preste bastante atenção, que lhe explicarei com detalhes cada passo.
1º Passo: Você terá que adquirir primeiro a cuia do amor, pois este
chá só é passível de ser preparado dentro da mesma. Mesmo que não tenha
conhecimento, todos nós temos esta cuia em algum lugar do nosso ser. Ela é uma
cabacinha em forma de coração que, após ser devidamente trabalhada se
transforma em cuia do amor. Se você não a encontrou é porque a deixou jogada. Procure em suas despensas, em seus armários,
em suas gavetas, enfim faça uma faxina na vida que você há de encontrá-la. Às
vezes precisamos arruma-la melhor, jogando fora aquilo que não nos serve mais
ou que está nos entulhando. Aliviando e ampliando os nossos espaços, finalmente
poderemos encontrar o que precisamos e o que realmente nos faça bem. Fique
atento, pois tenho observado que as pessoas que possuem maior dificuldade para
encontrar a sua cuia são justamente aquelas que estão com a vida entulhada de
trabalho, preocupações, obrigações, enfim com coisas deste gênero.
2º Passo: Assim como é necessário esquentar a água para regar a
erva mate do chimarrão, é também necessário esquentar o fluido da
disponibilidade para regar o chá da amizade. Ele não deverá ser servido frio e
nem fervente demais. O ponto da disponibilidade adequada é aquele que não
queima as suas obrigações e nem congela os seus prazeres.
3º Passo: Coloque a erva que desejar dentro da cuia. Para o
chimarrão, você utiliza a erva mate, mas para o chá da amizade você poderá
utilizar a erva que mais fizer sua cabeça num dado momento. Se estiver
precisando de alegria, use a erva da alegria, se estiver precisando de
solidariedade, use a erva da solidariedade; se estiver precisando de aconchego,
use a erva do aconchego; se estiver precisando da verdade, use a erva da
verdade e por aí vai. Sendo assim, coloque a erva desejada até um pouco mais
que a metade da cuia. Não exceda na quantidade, pois tudo em excesso enjoa,
gera desperdício e atrapalha. Tampe a abertura da cuia, vire-a e deixe a erva
deslocar para apenas um lado da mesma, sobrando um espaço do outro, onde serão
inseridos o fluido da disponibilidade e a bombinha da abertura. Se este espaço
não for criado dentro da cuia do amor, não haverá como a erva da amizade ser
comungada posteriormente. Sem espaço para a disponibilidade e para a abertura,
não há como saborear este chá.
4º Passo: Jogue cuidadosamente o fluido da disponibilidade no
espaço reservado ao mesmo. Este fluido irá fluidificar a erva, que só poderá
ser saboreada se a bombinha da abertura for inserida, servindo de canal para
que, através dela, você possa ingerir o delicioso chá da amizade. Não há nada
que flua sem abertura.
5º Passo: Considerado o mais importante. É o momento do
compartilhar. O chá da amizade não foi feito para ser saboreado isoladamente, a
menos que você deseje ser amigo apenas de si mesmo. Em alguns momentos da vida
é válido este comportamento isolado de compartilhar apenas a nossa companhia. É
também uma grande conquista aprender a ser um bom companheiro de si mesmo. No
entanto, nunca devemos deixar de oferecer esta receita ao próximo num ritual de
comunhão. Todos deverão compartilhar a mesma cuia, a mesma erva, a mesma bomba
de abertura. Quem estiver fechado e for muito escrupuloso, jamais conseguirá
provar deste chá. No entanto, aos receptivos, o chá estará oferecendo a tão
indispensável amizade que inunda a nossa vida com sentimentos e experiências
fundamentais ao nosso desenvolvimento.
Observações: Não há espaços para os egoístas neste
ritual de comunhão. Todos deverão ter a sua vez de saborear todo chá que se
encontra dentro da cuia. Não queira passar na frente do outro. É fundamental
saber reconhecer a sua vez de receber e de doar.
A amizade é, na verdade,
uma grande troca. Experimente o chá da troca com seu coração aberto, pois tudo
de bom que tiver dentro dele será bombeado diretamente para a alma de seu
amigo.
Precauções: Saiba que poderá dar uma grande
complicação se usar a erva da paixão na cuia do amor com o intuito de preparar
o chá da amizade. A erva da paixão exige algumas coisas que impedem o chá da
amizade sair perfeito. Ela exige que o fluido da disponibilidade esteja
fervendo em grau de exclusividade, podendo provocar algumas queimaduras. Com
muita frequência, esta erva entope a bombinha da abertura, pois adora fechar os
espaços impondo apenas a sua presença.
SOBREMESA
O AMIGO DA
GUERREIRA E A GUERREIRA DO AMIGO
DEDICO ESTA ESTÓRIA AO AMIGO E AO
GUERREIRO QUE TE HABITA
Esta história aconteceu com dois
seres que habitavam dois mundos totalmente diferentes. Ambos viviam felizes,
cada qual no seu mundo, relacionando-se apenas com o conhecido, com o
previsível e com o palpável. Todas as faltas e carências eram facilmente
superadas, pois o conteúdo para superá-las, por mais escondido que estivesse,
estava sempre acessível em algum lugar. Bastava procurar com um pouco mais de
perseverança que o encontro com o desejado sempre acontecia. A grande
particularidade desse lugar estava no
dote que cada ser recebeu de desejar apenas o possível; sendo assim, possuíam
visão para as coisas do seu mundo e eram totalmente cegos para qualquer visão
que pudesse ultrapassar os limites daquele suposto paraíso que viviam. Cada ser
ali tinha o seu anjo que, serenamente, os conduzia mais cedo ou mais tarde para
o tesouro previsivelmente sonhado. No entanto, dois anjinhos curiosos, sapecas
e sapientes, cansados de tanta monotonia e previsibilidade, resolveram tramar
uma arte que pudesse se transformar numa experiência, que mexesse um pouquinho com a tamanha
estabilidade que aqueles dois mundos ofereciam. Cada anjinho selecionou em seu
mundo de guarda um ser bem especial e o dotou de um desejo encantado que
ultrapassava os limites de tudo que pudesse ser desejado ali.
Munidos deste novo instrumento, os dois seres
encantados pelo desejo supremo de ir além, lançaram a visão no horizonte e
repentinamente descobriram que já não enxergavam como os seus outros
irmãos. Parecia que o mundo tinha ficado
maior. Com esta mudança de visão, algo
dentro deles começou também a mudar. Um sentimento diferente começou a dominar
o coração que, antes, batia calmo e sereno. O mundo de fora parecia ter ficado
maior, mas o mundo de dentro, dos sentimentos, parecia ter ficado menor, pois
uma sensação de aperto tomava conta do peito daqueles dois seres escolhidos.
Foi assim que uma vontade súbita de caminhar em direção ao horizonte brotou
dentro de cada um e num ímpeto de coragem, sentimento até então ignorado, se
lançaram em direção ao mundo novo, imprevisível e desconhecido. Caminhavam incessantemente
e nunca conseguiam cruzar a linha do horizonte. Neste processo interminável, um
novo sentimento começou a tomar conta de cada um; sentimento vazio de difícil
denominação. Foi numa tentativa de definir este sentimento que aconteceu,
inesperadamente, o encontro dos dois seres encantados escolhidos pelos anjinhos
rebeldes.
Caminhando sem saber para onde ir, finalmente se
encontraram em um ambiente bucólico e acolhedor. Tocaram-se com um olhar
profundo que ultrapassava os limites do visível. Mais uma vez, experimentaram
aquela sensação antes vivenciada em que
os olhos refletiam um mundo amplo e infinito e o coração fazia um movimento
inverso apertando-se e dilacerando-se diante de um sentimento novo e
inexplicável. Mesmo sem saber se a comunicação era possível, atreveram-se a se
comunicar e surpresos descobriram que falavam a mesma língua, apenas com um
sotaque um pouco diferenciado. Antes de qualquer palavra, brotou um lindo
sorriso que colheu lá no fundo de cada ser a primeira indagação. Juntos, com
ternura, fizeram a primeira e idêntica pergunta ao outro:
— Quem é você?
—
Na verdade posso dizer-lhe apenas o meu nome, pois estou no momento à procura
do meu ser. Respondeu uma bela e serena alma feminina.
—
Você não sabe quem você é? Perguntou surpresa a bela e serena alma masculina.
—
Não totalmente. E você, sabe quem é?
Perdido
em pensamentos que pudessem exprimir exatamente a essência do seu ser, aquela
alma masculina limitou-se a responder com
brandura:
—
Talvez eu seja o Amigo.
—
Este é o seu nome?
—
Sim, este é o meu nome. Você gosta?
—
Muito, no entanto, não sei como lhe explicar... Eu gosto sem saber na verdade
do que se trata. O que é um Amigo?
—
Amigo são tantas coisas... Eu poderia passar o dia inteirinho com você que,
ainda assim, não conseguiria definir a dimensão deste ser tão perfeito e
indispensável em nossas vidas. Mas, antes de falar mais um pouquinho sobre
minha pessoa, eu gostaria de saber pelo menos o seu nome, já que você não se
conhece ainda. Quem sabe eu seja a chave de sua descoberta? Descobrir você pode ser uma surpreendente
revelação. Exclamou num tom de brincadeira, dando uma gostosa gargalhada.
—
Você me parece bem brincalhão. Isto me agrada.
—
Esta é mais uma qualidade do Amigo, saber brincar e alegrar a quem se ama. Você
ainda não me falou o seu nome. Acho que vim só para trazer-lhe alegria, me diga
quem é. Perguntou novamente, num tom
firme, que denotava a exigência de uma resposta.
—
Meu nome não é tão bonito quanto o seu.
—
Me diga, pois já estou ficando curioso.
—
Me chamo Manca Guerreira
—
Engraçado... Gosto do seu nome, mas não sei também o que significa.
—
Assim como você, eu poderia passar uma vida inteira ao seu lado que não
conseguiria definir a dimensão deste ser tão audaz e indispensável que é o ser
guerreiro em nossas vidas. Entretanto, eu tenho o meu lado Manca, que é de
fácil definição.
—
O que é ser Manca? Perguntou com curiosidade o ser Amigo.
—
Manca é o lado que me limita, que me dificulta caminhar.
—
Estranho!...Quando olho nos seus olhos vejo um longo caminho. Vejo as suas
marcas neste caminho. Você me dá a sensação de ter caminhado muito, vejo muito
mais garra do que dificuldades.
—
Você brincou comigo, dizendo poder ser a chave da descoberta do meu ser e
acabou, neste momento, revelando mais
uma informação importante a meu respeito. Através do meu olhar, você me viu
caminhando incessantemente e viu também a manifestação genuína da garra que é o
meu lado guerreiro, suplantando qualquer limite que quisesse impedir a minha
caminhada. Talvez, mesmo mancando, eu tenha caminhado com a bravura de uma
verdadeira guerreira.
Foi
interrompida pelo Amigo que salientou com a convicção de um sábio vidente:
—
Eu não te vejo mancando, pelo contrário, eu te vejo caminhando com muita
firmeza.
—
Ser Amigo é ajudar o outro a se enxergar também? Perguntou Manca Guerreira
àquele ser novo que parecia ter sempre um esclarecimento importante a fazer.
—
Ser Amigo é isto e muito mais.
—
Poxa vida! Você parece ser grande
demais!
—
É justamente neste ponto que fico confuso. Na verdade, eu omiti uma parte do
meu ser. Eu não me chamo apenas Amigo. O meu nome completo é Amigo Pequeno.
—
Amigo Pequeno? Você deve estar brincando comigo. Por que você deseja brincar de
ser pequeno?
—
Eu não estou brincando, eu falo tão sério quanto você com relação à Manca que
te limita.
—
Mas eu não consigo ver limites em você. Vejo em teus olhos a grandeza do Amigo.
Eu te vejo grande demais, do tamanho do infinito. Você não pode acreditar num
limite que não existe, pois qualquer limite é menor do que o seu ser, sendo
assim é fácil dominá-los. Falou a Guerreira, num sobressalto, com a intenção de
encorajar o Amigo a enfrentar todos os obstáculos.
—
Ser Guerreira é ter esta convicção e esta coragem?
—
É isto e muito mais. Respondeu com firmeza a doce Guerreira.
—
Você me passa a sensação de muita doçura e de muita força. Falou amavelmente a
voz amiga
—
E você me passa a sensação de acolhimento e confiança. Complementou suavemente
a voz guerreira.
Naquele
momento, o mundo ao redor deixou de existir. O masculino e o feminino se
fundiram em um só e um mundo novo passou a existir a partir daquele encontro. Os
olhares que diziam muito mais do que as palavras, se cruzaram engravidando cada
ser com o sublime desejo de ser um pouco mais do que eram há poucos minutos
atrás. No deleite do prazer de sentir-se completo durante um momento que
poderia ser fugaz e num desejo ardente de eternizá-lo, o grande Amigo Pequeno
exclamou exultante:
—
Acho que o Amigo precisa da Guerreira para desempenhar bem a sua missão de ser
Amigo e poder sentir-se grande.
—
Acho que a Guerreira precisa do Amigo para desempenhar bem a sua missão de ser
Guerreira e poder se sentir firme. Concluiu com firmeza a Manca Guerreira.
Tudo parecia perfeito e completo, mas um evento novo,
lá longe, no horizonte, anunciava o prelúdio de uma nova situação. O casal com
um ar nostálgico, passou naquele momento a assistir o pôr do sol que traria a
noite e, posteriormente, o nascimento de um novo dia. Com um desejo de
eternizar aquele momento, o Amigo falou com ternura:
—
Acho que estamos apaixonados. Talvez por isso não consigamos enxergar ainda os
limites do outro. A paixão limita a nossa visão, escondendo o feio atrás da
ilusão do belo que tanto necessitamos.
—
Ou talvez estejamos amando. O amor amplia ainda mais a nossa visão, tornando-nos
capazes de enxergar além dos limites, o potencial e a beleza que cada um
carrega dentro de si.
—
Precisamos descobrir tanto do outro e de nós mesmos. No entanto, o sol está se
pondo e dentre em pouco precisaremos partir. Vivemos em mundos diferentes,
somos diferentes. Você tem uma vida moldada com uma diretriz bem definida e
elaborada. Tenho também o meu mundo. Precisamos partir, precisamos nos separar.
Nada é impossível, mas é muito difícil ficarmos juntos. Você sabe disto – f alou
com pesar o Amigo. No entanto, Guerreira com a sua audaciosa convicção de
vitória, exclamou entusiasticamente:
—
Impossíveis são os limites que criamos quando acreditamos sermos pequenos
demais para viver uma vida grande. O
difícil é apenas um desafio. Venceremos este novo desafio. A Guerreira ganhou o
Amigo que lhe dará as mãos em suas lutas. Lutar para esta Guerreira não é
jamais deixar ser vencida pelas dificuldades, destruir-se e ao outro. Saber
lutar é descobrir incessantemente novas estratégias, que nos permitam continuar
caminhando. Quando se quer algo, a gente consegue, basta descobrir a arte de
explorar os meios favoráveis e disponíveis que nos permitam conquistar os
nossos objetivos.
—
Você tem algo revigorante, que me faz um bem enorme. Gosto do seu carinho, do
seu sorriso e da sua maneira de pensar sobre o mundo. Você tem um jeito
especial, um sabor diferente que o meu paladar não conseguiu ainda decifrar. É
de uma paz de espírito contagiante, queria te carregar no fundo do meu ser.
A guerreira olhou o Amigo no fundo dos olhos e
continuou o seu discurso bélico:
—
Amigo, você se transformou numa arma poderosa que tomará conta do meu coração.
Você conseguiu cativar o coração da Guerreira, fazendo-o pulsar com mais amor.
Agora a Guerreira sabe o que é um Amigo e não tem como abandonar nunca mais
este saber. Nenhum Guerreiro jamais poderá firmar parceria com a ignorância,
rompendo com a sabedoria adquirida em cada luta, em cada desafio. A sua
presença me transforma em algo mais. Além de guerreira, acho que me transformei
também numa grande amiga que você poderá contar sempre.
Feliz por ter ajudado a transformar
um outro ser em algo mais, o amigo continuou fazendo reflexões sobre a vida,
desejando agora algum conselho de sua guerreira amiga:
—
Minha querida Guerreira, pelo visto temos um grande desafio pela frente. A vida
é fácil de ser vivida, mas o problema é que nós a tornamos difícil. Você acabou
de me dizer que quando queremos algo, conseguimos, bastando escolher as
estratégias corretas. Sei que isto é uma verdade, no entanto, não consigo ainda
assimilar isto como um modelo de vida.
—
Não tente assimilar nada antes de viver. Como Guerreira, te faço o convite
inédito de viver comigo o desafio de caminhar sem saber ao certo o caminho, de
pisar num terreno sem saber ao certo onde está a mina, de atirar sem saber ao
certo onde está o alvo, acreditando muito mais na intuição e na experiência
genuína que carrega dentro de si do que numa suposta certeza do que poderá vir
a acontecer.
—
Isto é arriscado! Agindo assim, corremos
o risco de nos perder, sermos bombardeados e liquidados pelos conflitos que
poderão nos pegar de surpresa.
—
Se você trouxer o Guerreiro dentro de ti, lutará e encontrará sempre uma saída
inteligente nos momentos difíceis. O verdadeiro Guerreiro não perde tempo com
fantasias, ele tem muitas armas e age apenas diante das circunstâncias reais,
utilizando a arma mais adequada para o momento. Agindo assim, ele se estressa
menos e sai quase sempre vitorioso.
—
Quase sempre vitorioso... Isso quer dizer que a derrota também pode acontecer?
Perguntou Amigo, um tanto receoso.
—
Saber lidar com as derrotas é uma das maiores virtudes de um Guerreiro.
Respondeu com solidez, a Manca Guerreira
—
Deve ser difícil viver estes momentos. Indagou o Amigo num tom de reflexão.
—
Talvez nestes momentos a gente viva e sinta o nosso lado Manco e Pequeno.
—
E talvez seja nestes momentos que precisamos mais do Amigo. Concorda,
guerreira?
—
Sem dúvida! Agora que te conheço, posso confirmar isto com toda segurança. O
Amigo dispõe de todas as armas que a Guerreira utiliza. E, por mais eficazes
que sejam as nossas armas, nem sempre elas funcionam a nosso favor.
—
Quais as armas que você utiliza? Perguntou curioso o Amigo.
—
Muitas. A maior delas é o amor. Mas utilizo também a paz, a liberdade, a
compaixão, o perdão, a alegria, o entusiasmo, a verdade e muitas outras.
—
Eu não posso acreditar que, em algum momento, estas armas não tenham funcionado
a seu favor. Indagou o Amigo.
—
Na verdade, eu quase sempre saio vitoriosa, mas algumas vezes saí muito ferida
e com uma sensação profunda de derrota.
—
Nem sempre uma ferida é um sinal de derrota. Acredito que seja muito mais um
sinal de luta. E, quando se tem um Amigo ao lado, ela cicatriza rapidamente.
—
Estou começando a sentir que um Amigo é sempre um sábio que sabe utilizar o
remédio certo para nossas feridas. Daí, você tem que convir que uma Guerreira precisa
tê-lo sempre a seu lado.
—
Você conseguiu dar um nó no meu peito, um nó meio engraçado daqueles que só
aqueles Guerreiros bem experientes, com muito tempo de luta sabem dar. Quero só
ver como vamos desatar estes nós, apesar de não desejar desatá-los.
—
Quem disse que precisamos desatar alguma coisa?
Perguntou a Guerreira, enrugando a testa. Acho que precisamos, mais do
que nunca, atar ainda mais as nossas virtudes e potencialidades.
—
O sol está se pondo e precisamos partir. Relembrou o Amigo olhando o horizonte
com pesar.
—
Precisamos nos separar, mas não precisamos destruir o que construímos
juntos. Finalizou a Guerreira, querendo
conter o último raio de sol que repousava sobre o horizonte.
E assim veio a noite. Milhares de estrelas brilharam
no céu. Dentre elas, duas estrelas especiais comentavam uma grande travessura:
—
E agora, o que vamos fazer com eles?
—
É nisto que deu a nossa experiência de querer ampliar a visão de quem vivia num
mundo que aparentemente parecia um paraíso.
—
Mas, o paraíso não precisa ser necessariamente um lugar sem problemas e
conflitos.
—
Concordo com você. Seres com uma ampla visão talvez necessitem de muitos
desafios para se sentirem no paraíso.
—
O que me preocupa agora é a possibilidade deles sofrerem. Parece-me que
desenvolveram muitos sentimentos.
—
Quem tem sentimento apurado, necessita sentir e, provavelmente, prefira a dor
ao vazio.
—
Mas a nossa intenção não era gerar dor ou sofrimento. Para isto ampliamos
bastante a visão deles, para que pudessem desenvolver a capacidade de
ultrapassar este sentimento, enxergando o prazer e as conquistas advindas deste
inesquecível encontro.
—
Então, só depende deles agora. Acho que terão de ficar com os olhos bem abertos
para que além da visão ampla, possam também enxergar diferente.
—
A diferença faz a diferença. Uma amizade especial é um diferencial na vida de
qualquer ser. Eles precisam um do outro e, infelizmente, precisam também da
separação. Será que saberão administrar isto?
—
Já estou curioso para saber que saída diferente eles irão adotar.
Finalmente, uma
das estrelinhas deu uma piscadinha e finalizou sorrindo:
—
Na verdade, eles não estão saindo, eles estão entrando. Entraram no mundo do outro e amaram o que
encontraram. O que desejam, no fundo, é adentrar ainda mais. Sabem que muitos
tesouros ainda se encontram lá. Olhe quantas portas existem entre eles! Não importa qual seja a melhor entrada ou
saída, o importante é que eles estão comprometidos com este novo desafio de
seguir em frente. Entrar e sair são alternativas para emocionantes descobertas.
Amanhã é um novo dia e a nossa estrela maior nasce novamente, trazendo muita
luz e muitas perspectivas. Entra a luz e sai a escuridão. Eles hão de perceber
isto!
E assim termina uma história que, na verdade, continua
em algum lugar.