segunda-feira, 23 de abril de 2012

RECEITA DA SEMANA




“A VERDADE É UM HOLOFOTE QUE IRRITA E OFUSCA OS OLHOS DE QUEM NÃO DESEJA SE ENXERGAR, POIS ILUMINA O QUE, CUIDADOSAMENTE, DESEJAMOS MANTER NO ESCURO”



VERDADE


Verdade não é, na verdade, uma receita a ser preparada. Ela já se encontra pronta em algum lugar e possui todos os elementos capazes de matar a sua sede de SER e VIVER.



CUSTO


O preço maior que se paga é o da censura. Por não ser compreendido, você pode perder a aprovação de alguns, mas, com certeza, ganhará a aprovação e reconhecimento de uma pessoa muito especial: você mesmo.
No final deste investimento, ganhará autenticidade, liberdade e coragem com juros e correções. Apossado desta grande riqueza, ninguém conseguirá tirar de você aquilo que conquistou. Jamais se sentirá nesta vida um miserável.




TIRA GOSTO



MINHA VERDADE



MINHA VERDADE É
APENAS O QUE ESTOU SENDO AGORA
AMANHÃ ELA PODERÁ SE TRANSFORMAR
NUMA GRANDE MENTIRA
MAS UMA NOVA VERDADE
ESTARÁ ME ESPERANDO
DE BRAÇOS ABERTOS
PRONTA PARA ME CONDUZIR
EM MEU NOVO DIA



ACOLHIDA PELA VERDADE
SINTO-ME PROTEGIDA
DE RUBROS E NEGROS OLHARES
SINTO-ME LIBERTA
DAS PESADAS CORRENTES DO MAL
SINTO A VIDA
ESPANTANDO A MORTE
PERMITINDO-ME SER E VIVER
A ESSÊNCIA DAQUILO QUE SOU



INGREDIENTES



Essencialmente ela mesma.



PREPARO




         Vá à fonte da vida e tome a verdade para si saciando a sede de ser aquilo que voce é realmente e de poder viver aquilo que deseja, harmonizando-se com a essência do seu verdadeiro ser.
         Não troque a fonte da vida pelas doentias águas paradas que possuem em sua constituição a padronização de um jeito de ser massificado e ultrajado pelos interesses dominantes.
         Se você não sabe onde está a fonte da vida, eu posso lhe contar. Esta fonte se encontra na sua propriedade; é só procurá-la com desejos de encontrá-la. Não cometa o erro de procurá-la na propriedade vizinha.



SOBREMESA



O MANTO



         Quando Deus criou a Verdade, o diabo criou a Mentira para competir com a obra divina. A função da Mentira seria encobrir a divina obra para que ninguém pudesse contemplar a sua beleza, para isto, a invenção diabólica usava sempre um manto negro.
         Curiosidade, que sempre acabava se deparando com a Mentira pelas encruzilhadas da vida, perguntou em um dos seus ocasionais encontros:
— O que você esconde debaixo deste manto preto?
— Eu escondo a Verdade. Respondeu a Mentira repleta de satisfação.
— De quem você esconde a Verdade?
— Daquele que, finalmente, consegue chegar muito próximo dela, correndo assim, o risco de se apaixonar por ela. Respondeu Mentira com uma expressão que denotava receio.
— Por que alguém se apaixonaria pela Verdade? Perguntou a curiosa Curiosidade.
— Porque, infelizmente, ela é bela demais. Qualquer um ficaria encantado por ela. Desabafou, pesarosa, a Mentira, tendo que se valer de uma verdade que lhe incomodava profundamente.
— Se a verdade é tão bela, você deveria deixar-nos apreciá-la. Ponderou Curiosidade.
— De jeito nenhum! Como é que eu ficaria? Irritou-se Mentira.
— Como assim? Não estou entendendo.
— Se a Verdade fica encoberta eu consigo parecer mais bela do que ela. Ninguém nesta vida tem o poder de imaginar a beleza da Verdade até ter a divina chance de contemplar de frente a sua face. Antes que consigam abraça-la e sentir o seu calor e proteção, eu entro em cena com meu jeitinho astuto e a maioria acaba facilmente se iludindo comigo. Zombou Mentira.
— Engraçado, eu sempre tive a impressão de que as pessoas temiam muito mais a Verdade do que a apreciavam. Argumentou Curiosidade.
         Mentira deu um longo suspiro e continuou sua conversa:
— Ninguém teme a Verdade, pois ela é uma dádiva que afasta o medo. As pessoas temem a si mesmas. Confundem seus anseios e medos com a Verdade.
— Não estou entendendo. Você poderia me explicar melhor. Solicitou Curiosidade.
— É claro! Você pode me acompanhar?
— Para onde?
— Para um lugar onde eu possa lhe mostrar, na prática, como funciona o que estou lhe tentando explicar. Já estou sentindo alguém me chamando. Devo ir rápido para chegar à frente da Verdade, encobri-la e fazer o meu teatro.
         Mentira levou Curiosidade para um comício político. Um grande público aguardava ansioso o discurso de um candidato. Antes de subir no palanque, o político orou pela mentira:
— Como farei para enganar este povo? Preciso demonstrar que estou preocupado com eles.
         Foi só terminar sua oração inconsciente que Mentira se aproximou com seu manto negro encobrindo a Verdade antes que esta tivesse a chance de subir as escadas do palanque. O candidato se encheu de força, subiu no palco como se fosse um ator representando um personagem. Fez o seu discurso vazio de Verdade e repleto de Falsidade, sendo aplaudido por todos.
         Assim que Mentira executou o seu trabalho, pôde novamente retornar ao seu agradável bate-papo com Curiosidade.
— Curioso! Exclamou Curiosidade — Como é que o povo aceita um discurso tão pueril?
— O povo adora ilusões! Ironizou Mentira — Tudo que é fácil seduz este povinho; e eu tenho a arte de apresentar soluções fáceis.
— A Verdade é mais difícil? Perguntou Curiosidade.
— Talvez seja mais trabalhosa. Completou Mentira.
— E como você conseguiu fazer aquele candidato se sentir forte? Indagou Curiosidade.
— Criando uma ilusão dentro dele que o impeça de enxergar claramente a pessoa podre que está sendo. Faço isto lhe ofertando uma fantasia que lhe agrade. Até ele se confunde com os belos personagens que lhe ofereço.
— Por que a Verdade não lutou para se exercer? Questionou Curiosidade.
— Porque aquele candidato não orou por ela. Regozijou Mentira.
— Se a Verdade fosse tão bela quanto você diz, por que ele não quis apresentá-la ao público? Interrogou Curiosidade.
— Na verdade, ele não quis se apresentar a ela. Quando certos homens covardes se apresentam à mesma, tomam consciência do quanto estão sujos e corrompidos. Com medo da própria imagem, eles oram por mim. Eu os fantasio e os faço sentirem belos e poderosos. A Verdade, por outro lado, lhes mostra apenas o espelho. Quem é feio não gosta de espelho. Daí, eles não gostam da imagem que veem e erroneamente pensam que a verdade é feia. Confundem a própria imagem com a Verdade Suprema.
— A feia imagem que possuem não seria a Verdade deles?
— Seria apenas a suposta verdade que construíram. A feia imagem deles é na verdade uma realidade que pode ser mudada. A Verdade suprema transcende esta imagem e o próprio ser, podendo libertá-lo com sua beleza e poder, pois, cada um tem a bondade e a maldade dentro de si. Salientou Mentira com sabedoria.
— Eu bem que gostaria de assistir uma cena de libertação. Você tem como me mostrar? Perguntou Curiosidade.
— Impossível! Eu não liberto ninguém, eu apenas os aprisiono nas mais loucas fantasias, ilusões e imagens que desejam. Proferiu Mentira.
— Acho que estou começando a entender, no entanto, tem mais um pedaço interessante desta história que não lhe cabe mostrar-me e que eu gostaria de desvendar. Agradeço a sua atenção, mas agora tenho que partir.
         Curiosidade despediu-se de Mentira e partiu em busca de um novo conhecimento que lhe interessava profundamente. Desejava ter o privilégio de assistir a atuação da Verdade no palco da Vida. Caminhando, incessantemente, entre vales e montanhas, encontrou Consciência cavalgando nua num lindo cavalo branco. Uma expressão de plenitude tomava conta do semblante da mesma. Sem conter a sua essência curiosa, Curiosidade comentou perguntando:
— Te vejo agora tão feliz e realizada... O que aconteceu com você hoje?
— É raro acontecer, mas quando acontece eu me sinto livre, totalmente livre, leve e em paz. A sensação de peso e aprisionamento me faz muito mal. Quando me vir neste robusto cavalo branco, saiba que estou feliz, muito feliz. Refletiu Consciência com alacridade sem, no entanto, responder, claramente, a pergunta de Curiosidade.
— Seja mais clara! Desse jeito eu me arrebento de tanta curiosidade.
— Hoje eu pude mais uma vez ser tocada, massageada e contemplada pela Verdade. Quando isto acontece me sinto leve e tranquila. Explicou Consciência repleta de satisfação.
         Certa de que poderia finalmente desvendar o mistério que Mentira jamais poderia lhe revelar, Curiosidade implorou a Consciência que lhe apresentasse a Verdade:
— Por favor, me leve até ela. Eu preciso vê-la atuar.
— Então vamos lá! Prepare-se para uma viagem no tempo e no espaço. Acho que uma cena histórica poderia conceder-lhe uma grande revelação.
         Curiosidade montou na garupa daquele vigoroso cavalo branco cavalgado por Consciência e sem perceber a partida e a chegada, viu-se, repentinamente, diante de uma cena muito forte que lhe partiu o coração. Um homem acabava de morrer da forma mais desumana pregado numa cruz. Curiosidade assustada e perplexa perguntou:
— O que esta cena horrível tem haver com a Verdade?
— Buscando-a, este homem se libertou e a muitos que seguem seu exemplo. Esclareceu Consciência.
— Como pode ter se libertado com seu corpo pregado nesta cruz? Arguiu Curiosidade.
— A Verdade é um presente para a nossa alma e não para o nosso corpo. Elucidou Consciência.
— Não sei se valeria à pena morrer para ver a cara dela. Ironizou Curiosidade.
— Ninguém morre pela verdade, pelo contrário, ganhamos mais vida com ela. Só a Mentira é capaz de matar e destruir, no entanto, muitos crimes cometidos por ela ficam ocultos. Para facilitar a vida, o ser humano é capaz de destruir, quando poderia construir para facilitá-la. Entretanto, toda construção pressupõe trabalho e nem sempre ele está disposto a se comprometer com o mesmo.
         Curiosidade ouvia, atentamente, cada palavra proferida por Consciência e optando pelo silêncio se viu, subitamente, diante de uma nova cena que a hipnotizou com tamanha beleza. Uma linda criança de semblante angelical, exalando pureza e doçura, usufruía jubilosa e faceira, cada porção de uma realidade paradisíaca da qual parecia ser dona. Tudo parecia ganhar mais vida ao leve toque de suas mãos. Naquele lugar, as flores pareciam mais flores, o rio mais rio, as árvores mais árvores, os animais mais animais, o céu mais céu, a terra mais terra, o ar mais ar, o ser humano mais humano. Antes que Curiosidade saísse de seu estado hipnótico e se dirigisse àquela criança para conhecê-la melhor e perguntar o seu nome, uma voz vinda não se sabe de onde ressoou como um eco dentro do seu coração:
— Verdade, corra aqui que eu preciso de você agora.
         Naquele momento, a criança correu se transformando num manto de luz, cobriu Curiosidade como se estivesse abraçando-a e a transformou em Sabedoria.
         Hoje, quando vejo um sábio fico curiosa a me perguntar:
— Por onde andou a curiosidade dele?




























segunda-feira, 16 de abril de 2012

EQUILÍBRIO

“EQUILIBRADO ESTÁ AQUELE QUE EQUILIBRA SEUS DESEQUILÍBRIOS”



EQUILÍBRIO



Equilíbrio é uma erva sagrada que lhe faz sentir centrado e, sobretudo no eixo certo.


CUSTO


         Provando do equilíbrio você estará perdendo o prazer da histeria e ganhando uma posição serena que fará com que as pessoas lhe enxerguem um pouco diferente da maioria. Num mundo desestruturado, ter equilíbrio equivale a ser taxado de ET. Mas, com equilíbrio, nenhum rótulo depreciativo lhe derrubará. Um ser equilibrado poderá também ser uma boa referência para quem não consegue se manter em pé, sendo um ótimo investimento para quem busca a paz e a serenidade.


TIRA GOSTO


SÃ LOUCURA


AQUELE LOUCO
QUE SE DIZ SÃO
É LOUCO DEMAIS
PARA PERCEBER
NA SUA LOUCURA
TRAJADA DE SANIDADE
O SEU DESEQUILÍBRIO

AQUELE SÃO
QUE SE DIZ LOUCO
É SÃO DEMAIS
PARA PERCEBER
NA SUA SANIDADE
ORA FANTASIADA DE LOUCA
O SEU EQUILÍBRIO

DE QUE VALE O EQUILÍBRIO
SE NÃO POSSO
 PENDER
CAIR
 LEVANTAR

QUERO VIVER A MINHA SÃ LOUCURA
CURAR A SANIDADE QUE ME ENLOUQUECE
EQUILIBRAR APENAS OS MEUS DESEQUILÍBRIOS
DESEQUILIBRANDO A FALSA NORMALIDADE
QUE ME IMPEDE SER EU MESMA



INGREDIENTES

Qualquer erva sagrada


PREPARO

Primeiramente é necessário colher a erva sagrada desejada. Ela se desenvolve apenas em terrenos férteis capazes de promover o desenvolvimento das boas virtudes. São várias as ervas que possuem um valor terapêutico capaz de harmonizar o nosso ser. Sabendo utilizá-las no momento adequado à sua necessidade, você estará levando para dentro de seu ser o equilíbrio desejado. Você poderá utilizar estas ervas em forma de chá ou em forma de tempero. Eu, por exemplo, ando utilizando a erva do amor como um tempero a mais nas minhas prazerosas refeições sexuais. Sinto-me mais harmonizada, centrada em mim e em meu companheiro. Tenho uma amiga professora que adora usar a erva da paciência no chá de aprendizagem que oferece aos seus alunos. Percebe que estes ficam mais calmos e atentos. A decisão de como usar a sua erva sagrada deverá ser sempre sua.

SOBREMESA


CORDA BAMBA


         Dizia uma antiga lenda que um valioso tesouro habitava uma caverna misteriosa. Nenhum ser humano, por mais afoito que fosse, jamais conseguiu chegar sequer na porta da mesma, pois para chegar até lá o aventureiro deveria atravessar um precipício equilibrando-se numa corda erguida, que servia de ligação entre um lado do abismo e o portal da caverna.
         O sonho de cada aventureiro que arriscava a própria vida para conquistar o misterioso tesouro, tecia especulações das mais variadas formas:
— Eu acredito que deva ser um barril de pedras preciosas. Fantasiavam alguns.
— Deve ser o mapa de uma inesgotável mina de ouro. Diziam outros.
         A imaginação fluía livremente e os ambiciosos que ousavam atravessar aquela corda levavam sempre consigo a esperança de riqueza, mas jamais a traziam de volta. O despenhadeiro nunca contou a ninguém o trágico destino dos mesmos.
         Certo dia, porém, um simples e humilde palhaço equilibrista resolveu aceitar o desafio daquela corda. Até então, o desafio sempre fora para ele a maior riqueza de sua vida. Viver num circo, desafiar o mau humor das pessoas, tentando trazer de volta a alegria adormecida, nunca fora uma tarefa fácil. Dramatizar o papel do palhaço que nunca conseguia se firmar na corda bamba era uma missão gratificante, pois trazia no âmago da mesma um alívio para todos aqueles que não conseguiam se firmar na vida. Ironizar o desequilíbrio do ser humano, substituindo o choro pelo riso, tornava-o menos penoso. Sempre acostumados a rirem do palhaço, ninguém deu credibilidade ao seu desejo de ultrapassar aquela corda. Limitaram-se a dar boas risadas quando ele, finalmente, decidiu desafiar o despenhadeiro.
— Se os mais corajosos e ambiciosos homens jamais conseguiram vencer este desafio, o que um simples palhaço carente de ambição conseguirá fazer? Comentavam as incrédulas e invejosas personalidades da região.
— Que palhaçada! Como ele pode brincar desta forma com a própria vida? Censuravam outros.
         Sem se importar com os comentários, arriscou-se. Lá foi o palhaço equilibrando naquela corda como jamais fizera no circo. As regras ali eram bem diferentes. No circo a regra era cair, ali, manter-se em equilíbrio. Não havia espaços para a risada, apenas para a concentração. Durante todo o percurso teve muito medo. Temeu perder o que de mais valioso possuía — a própria vida. Para preservá-la não poderia perder o equilíbrio. Sabia que não podia pender radicalmente para lado algum; precisava manter-se centrado no próprio eixo. Centrando em si mesmo e dominando a cada passo a técnica do equilíbrio, conseguiu finalmente chegar à porta da caverna. Antes de adentrar-se foi dominado pelo mais profundo sentimento de valorização da própria vida. Sentiu que nenhum tesouro que aquela caverna possuísse poderia ser maior e mais valioso do que o equilíbrio que garantiu a sua vida. Ficou um bom tempo a pensar se teria o mesmo equilíbrio no seu trajeto de volta, chegando a esquecer-se do tão cobiçado tesouro da caverna, insignificante para ele naquele momento de tamanha descoberta. Descobriu que o amor à própria vida era mais valioso do que qualquer tesouro. Depois de muitas reflexões, resolveu finalmente vasculhar aquela enigmática caverna, não encontrando nada a não ser um grande vazio que lhe encheu de sabedoria, induzindo-o a voltar novamente para o seu maior tesouro que era a vida que lhe aguardava do outro lado da corda. Cheio de esperança e contando apenas com os conhecimentos adquiridos e seu precioso equilíbrio, conseguiu chegar finalmente do outro lado. Depois de tudo que passou, de todas as conquistas, sabia que a vida jamais seria a mesma, apesar de aparentemente se dedicar às mesmas coisas. Ao cruzar a linha de chegada, uma multidão curiosa lhe perguntou indignada:
— Achou o tesouro?
— Sim, eu o achei. Respondeu irradiando admiração por si mesmo.
— Como pode ter um tesouro se não carrega nada consigo? Perguntaram desconfiados.
— O tesouro da caverna não se carrega, conquista-se. Respondeu com sabedoria
— Como assim?
— Quem pendeu ambiciosamente apenas para o lado da caverna, caiu no precipício. Eu não pendi para lado nenhum, centrei no meu equilíbrio para preservar o tesouro que eu já possuía sem, no entanto, me dar conta do valor do mesmo.
— Que tesouro? Inquiriram surpresos
— A minha própria vida. Exclamou repleto de alegria.
         Ninguém deu apreço ao tesouro do palhaço, mas nem por isso ele se entristeceu, pois sabia que apenas a experiência de atravessar a corda bamba é capaz de dar ao ser humano a consciência da importância e do verdadeiro valor deste tesouro. Ele não virou herói, continuou sendo apenas um simples palhaço que dentro do circo desequilibrava e caía mostrando com ironia a triste condição da maioria.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

PERDÃO



“PERDOAR É DOAR A SI E AO OUTRO A COMPREENSÃO DE NOSSAS IMPERFEIÇÕES”




            O perdão é um prato capaz de transformar toda a amargura que existe dentro do seu ser em docilidade.



 CUSTO



            O preço maior que se paga é o de ser chamado de idiota pelos viciados em revanche e punição. No entanto, se você for forte conhecedor de seus propósitos e de si mesmo, seu investimento será extremamente rentável, pois lhe livrará definitivamente da terrível dívida que os coléricos impõem a si mesmo de terem de pagar com juros e correções eternas prestações de ódio.




TIRA GOSTO



DIABÓLICO VENENO



CULPA
DIABÓLICO VENENO
PERDÃO
SAGRADA MEDICAÇÃO
QUE O NOSSO AMOR CONVALESCENTE IMPLOROU
ENTRETANTO...
CUSPISTE VENENO
NA NOSSA FERIDA
QUE URGIA SER SUTURADA
COM A COMPREENSÃO
DE QUE NÃO SOMOS PERFEITOS
JAMAIS DILACERADA
COM ACUSAÇÕES
ÀS NOSSAS IMPERFEIÇÕES
GOLPE MORTAL
SANGROU A ÚLTIMA GOTA
DO AMOR QUE CORRIA
PELAS VEIAS DO MEU SER
NECROZANDO SENTIMENTOS VÍVIDOS
JAMAIS RESSUSSITADOS
SENTIDOS


INGREDIENTES




Fubá da compreensão
Farinha da tolerância
Doce paciência
Ovos de autoconhecimento
Humildade amanteigada
Pó de Crescimento pessoal



PREPARO



            Você sabe como se prepara uma broa? A broa é preparada com o leite que azedou. O perdão é também preparado com aquele produto mais azedo e amargo que possuímos dentro de nosso ser: o ódio ou a raiva.
            Assim como na broa, é necessário transformar este produto tão indigesto em algum alimento saudável. Combinando este “leite azedo” que ninguém teria paladar ou o prazer de provar com o fubá da compreensão, com a farinha da tolerância, com a doce paciência, com os ovos do autoconhecimento, com a amanteigada humildade e com o pó do crescimento pessoal, você conseguirá levar para o forno da vida um delicioso lanche que depois de assado pelo calor da transformação estará no ponto de ser servido e saboreado. Não deixe que o calor do seu forno seja esfriado pelo gelado orgulho, pela fria vaidade e arrogância. Se isto acontecer sua broa murcha e fica parecendo mais uma sola de sapato que os coléricos usam muito mais para pisar no outro do que para nutrir-se.
            Sendo assim, quando seu leite azedar, faça uma broa e fique numa boa. Faça este prato, certo de que a pessoa que mais terá o prazer de nutrir-se e saborear este alimento será você mesmo, e não necessariamente, aquele ser acrimonioso que ajudou a azedar o seu leite. Saiba também que é muito bom podermos compartilhar com quem amamos o nosso doce sabor, pois não há quem aguente por muito tempo o nosso ranço azedo.

SOBREMESA




SENHORA DESCOBERTA




            Dolores estava vivendo uma terrível crise matrimonial. A crise resultou numa traição do marido, fato que jamais pudera imaginar. Nunca fora traída anteriormente. Num primeiro momento entrou em desespero total e assim descobriu o que vem a ser uma pessoa desesperada.  Lamentando o seu desespero, sendo totalmente tomada pelo mesmo e por sentimentos de ódio e intolerância, começou a provocar o marido com atitudes mesquinhas resultando disto a importante descoberta do que vem a ser uma pessoa mesquinha. Absorta em sua mesquinhez lamentava o dia inteiro o pequeno sentido de sua vida. Em meio a tudo isto o marido foi se afastando cada vez mais dela, passando assim a descobrir o que vem a ser uma pessoa solitária. Envolvida pela solidão lamentava o vazio que a devorava. Passou a ser alvo de fofocas e descobriu o que vem a ser uma pessoa perseguida. Atordoada pela perseguição, lamentava a sua dolorosa posição de vítima. Afastou-se, indiscriminadamente, de todas as pessoas acusando-as de traidoras e desfazendo com esta atitude importantes laços afetivos. Carente de elos de ligação começou a sentir-se fraca e impotente descobrindo desta forma o que vem a ser uma pessoa frágil. Tomada pela fraqueza lamentava a sua falta de força e vitalidade para dar volta por cima e sair inteira desta realidade. Querendo sair por cima não se permitia ter a importante humildade de simplesmente sair, seja por onde fosse. Lamentar era única coisa que sabia fazer com cada experiência que a vida lhe oferecia. Até Deus não saiu impune desta história. Em suas orações amaldiçoava o castigo que julgava não merecer, castigo este, imposto por ela mesma. Parecia, compulsivamente, desejar castigar-se e ao mundo a sua volta. A punição passou a ser a sua maior arma. No entanto, cada vez que apertava o gatilho da punição o tiro saía pela culatra; a vítima sempre acabava sendo ela própria.           
E assim, ela foi sendo tantas coisas... E em nenhum momento lhe agradou tudo isto. A falta de consciência que a dominava não lhe permitia enxergar as importantes descobertas que a vida lhe oferecia até que teve finalmente a benção de ter um sonho que a despertou para a vida. Sonhou que estava cega. Sua cegueira lhe permitia enxergar apenas as trevas. Sua moradia era uma caverna escura chamada buraco da lamentação. Solitária, foi finalmente visitada por uma fada que prometeu oferecer-lhe um colírio mágico que curaria a sua cegueira. Cada gota deste colírio lhe daria um pouco mais de visão. Se quisesse muita luz teria que pingar várias gotinhas desta sagrada medicação. No entanto, este presente não era gratuito. Cada gota tinha o seu preço. Dolores teria que oferecer algo em troca para a fada. Curiosa, perguntou o que deveria doar e a fada respondeu que cada gotinha exigia em troca um pedacinho de suas trevas. Louca para se ver livre da mesma aceitou sem pestanejar a proposta. Feito o acordo, a fada lhe levou até um rio onde deveria jogar cada pedaço de treva que obscurecia a sua visão. Foi solicitada que jogasse primeiro um pedacinho de sua raiva para que a correnteza pudesse levá-la para bem longe. E assim ela ofereceu um pequeno pedaço de sua raiva ganhando uma gotinha do colírio que lhe cedeu um pequeno pedaço de luz. Aquele pequeno pedaço de luz clareou bastante o seu mundo. Ficou encantada e pediu a fada mais um pouco de luz. A fada perguntou se poderia ceder-lhe um pequeno pedaço de seu orgulho. Jogou nas águas do rio um pedaço de seu orgulho e ganhou mais uma gotinha do colírio que clareou ainda mais a sua visão. Surpreendida por aquela luz fascinante que lhe proporcionava mais segurança e paz foi realizando inúmeras trocas que ampliavam e iluminavam cada vez mais o seu campo visual. Cedeu um pedaço de sua arrogância, de sua intolerância, de sua vaidade, de sua mágoa, enfim de todos os sentimentos negros que habitavam o seu ser. Dando um pouquinho de si, foi tomando consciência do que era ser uma pessoa iluminada. Foi então que desejou profundamente desapegar de suas vendas cedendo não só um pedacinho, mas sim, a porção inteira de cada sentimento negativo que lhe fazia sentir-se pequena e cega de si mesma e do paraíso que lhe rodeava. Agindo assim, o rio levou embora as trevas que lhe habitavam. Com os olhos curados, rodeada de beleza e luz, agradeceu a fada. Agradecimento era uma coisa que há muito tempo já não sabia mais fazer. Liberta de toda lamentação perguntou, finalmente, à mesma o nome daquele poderoso colírio. A fada entregou o frasco em suas mãos e lhe solicitou que usasse sem economia todas as vezes que fosse necessário. Tomando o colírio em suas mãos, leu em seu rótulo o nome do mesmo. Repetiu várias vezes o nome daquele poderoso medicamento para não correr o risco esquecê-lo. Finalmente acordou de seu sonho repetindo uma palavra que transformada em ação vira mágica e cura qualquer ferida: “PERDÃO”.
Mesmo em meio a seus desagrados, após este sonho, ela finalmente conseguiu despertar de um terrível pesadelo, acordar para a vida, largar mão de ser tudo aquilo que estava sendo para finalmente fazer a sua maior descoberta: “Ser ela mesma”.
Do remédio que a curou, Dolores jamais se desapegou. Em sua bula estava escrito que aquela poderosa medicação seria sempre uma boa indicação para pessoas que desejam se iluminar e tratar de suas dores com amor e não com revolta. O mais interessante deste medicamento é que não consta na bula contra-indicações e nem mesmo efeitos colaterais.
Para quem tem um pouquinho de Dolores dentro de si, o perdão está à venda em qualquer coração que deseja pulsar pela vida.




segunda-feira, 2 de abril de 2012

SONHOS



A GESTAÇÃO DE UMA POSSIBILIDADE SÓ É PASSÍVEL DE ACONTECER NO VENTRE DE UM SONHADOR”


SONHOS


         Refeição que possui o gosto de nossos mais profundos desejos. Tem o poder de acalmar, preparar e treinar a alma para o exercício de um ideal que se busca. Todas as pessoas bem nutridas por este alimento jamais desistem. Associado a outros ingredientes tem o poder de auxiliar na realização de todos os objetivos de vida.



CUSTO


         O preço mais alto que se paga é o de ser chamado de maluco e ridicularizado pelas pessoas desiludidas que dizem ter os pés no chão.




TIRA-GOSTO


NOSTALGIA


CAVERNA ESCURA QUE ABRIGAVA UMA FLOR
FLOR QUE NÃO TINHA COR
FLOR QUE NÃO TINHA CHEIRO
FLOR QUE NÃO TINHA A FORMA DE FLOR
FLOR SEM ATRIBUTOS DE FLOR
AINDA SIM, SENTINDO-SE UMA VERDADEIRA FLOR



DIFÍCIL SENTIR-SE FLOR SEM SÊ-LA
IMERSA NA ESCURIDÃO
CEGA DE SÍ
SENTINDO-SE INCOMPLETA E SUFOCADA
APRISIONADA E ACUADA APENAS PELO DESEJO DE SER
CHORAVA O SONHO CONTIDO


IMERSA NA SUA FRIGIDEZ, SONHAVA COM O SOL
SEDENTA DE FRESCOR, SONHAVA COM A CHUVA
ASFIXIADA DE INSATISFAÇÃO, SONHAVA COM O AR
OFUSCADA DE SEU BRILHO, SONHAVA COM O ARCO-ÍRIS
SONHAVA VIVER E SER UM PEDACINHO DE CADA SONHO SEU
SONHAVA COM A  POSSÍVEL TRANSFORMAÇÃO DO IMPOSSÍVEL


FLOR FEITA DE SONHOS
SENTIA-SE SEM PODER SE AFIRMAR COMO TAL
SENTIMENTO CONCRETAMENTE VIVIDO
AFIRMAÇÃO TEORICAMENTE IMPOSSÍVEL
COMO DECLARAR SUA EXISTÊNCIA?
SÓ SE O SONHO DE SER UMA FLOR BROTASSE DE UM BELO JARDIM


BELO JARDIM NÃO EXISTIA
EXISTIA UM TRISTE E ÁRIDO JARDIM
JARDIM SOLITÁRIO SEM FLORES
SENTINDO-SE JARDIM CARENTE DE ATRIBUTOS PARA SÊ-LO
CHORAVA A AUSÊNCIA TRAZENDO CONSIGO 
SENTIMENTO DA PRESENÇA DAS FLORES
PRESENÇA QUE ALIMENTAVA O SONHO DE SER


COMO SER FLOR SEM JARDIM?
COMO SER JARDIM SEM FLOR?
CADA QUAL O COMPLEMENTO NECESSÁRIO
BASTANDO UM SONHO DE UNIÃO
BASTANDO A UNIÃO DE SONHOS
BASTANDO TÃO POUCO PARA O MUITO QUE SE SONHAVA


A FORÇA DO SONHO SE TRANSFORMA EM CHAMA
O SONHO CHAMA O SOL
O SONHO CHAMA A CHUVA
O SONHO CHAMA O AR
O SONHO CHAMA O ARCO-ÍRIS
O SONHO CHAMA A CHAMA DO SER


A CHAMA DO SONHO CRIA A ENERGIA DA TRANSFORMAÇÃO
A TRANSFORMAÇÃO FAZ PARIR O QUE ESTAVA CONTIDO
A SEMENTE FAZ PARIR UM BROTO
O BROTO FAZ PARIR A FLOR
 A FLOR FAZ PARIR O JARDIM
O JARDIM FAZ PARIR A NOSTALGIA


A NOSTALGIA TRAZ A LEMBRANÇA DA SEMENTE
SEMENTE QUE HABITA A CAVERNA DE NOSSA ALMA
SEMENTE QUE AGUARDA TRANSMUTAÇÃO DO SER QUE A HABITA
SEMENTE QUE ANSEIA A EXPLOSÃO DO QUE ESTÁ CONTIDO
SEMENTE CIENTE DE QUE É O QUE NÃO É AINDA
À ESPERA DO QUE VIRÁ A SER



INGREDIENTES



Todos os seus desejos
Uma imaginação bem grande
Muita fé
Bastante determinação


PREPARO


         Junte ao seu desejo uma boa porção de imaginação. Prepare uma massa bem consistente e deixe descansar por algum tempo. Neste intervalo, prepare um delicioso recheio feito à base de muita fé. Com a massa no ponto, modele vários bolinhos de sonho recheando-os com este poderoso recheio. Coloque tudo no tabuleiro da vida untando-o com bastante determinação para evitar que os sonhos possam agarrar no fundo do mesmo e serem torrificados após serem levados ao forno do aqui/agora. Feito tudo isto, ascenda o fogo e deixe que cada bolinho de sonho seja aquecido ao seu calor. Se o forno não estiver bem aquecido os sonhos não crescem e não coram o suficiente para serem saboreados. Se o sonho não crescer, corre o risco de minguar.
Vigie para não passar do ponto e assista a maravilhosa transformação de seus sonhos.  Uma simples massa se tornará uma realidade saborosa que poderá ser degustada por você e caso deseje, oferecida a todos aqueles que com os ditos pés no chão não puseram a mão na massa.




SOBREMESA



O SONHO DA SEMENTINHA


         Lá estava ela, dentro de um túnel escuro, sem saber ao certo quem era. Carregava consigo o dom de ser uma flor, mas não conseguia se afirmar como tal. Contida em um sonho que jamais se desabrochava pôs-se a chorar sendo repreendida por dona minhoca que passando por ali a censurou com aspereza:
— Que coisa incômoda é esta a tirar a tranqüilidade do nosso lar?
                                     A doce e suposta flor querendo se desculpar e desabafar sua dor sussurrou baixinho no ouvido de dona minhoca:
— Desculpe-me, eu não queria tirar-lhe o sossego. Sou apenas uma linda flor que se sente acuada e presa.
             Dona minhoca deu uma estridente gargalhada e pontuou com ironia:
— Vê se te enxerga! Será que além de incômoda és cega também? Você não passa de uma coisa qualquer. Flores não vivem aqui, vivem em jardins. Você não tem a forma, o aroma e a beleza de uma flor.
              A sementinha indignada com a descortesia da minhoca perguntou:
— Como posso me enxergar neste mundo tão escuro e apertado? Não há espelhos por aqui.
— Eu posso ser o seu espelho, basta que você acredite naquilo que eu lhe disser. Neste mundo tão escuro é difícil a gente se perceber. Precisamos do outro para nos dizer quem somos.
— Mas, você me disse que sou uma coisa qualquer e eu não me sinto assim. Sei que sou uma flor ou carrego no mínimo o dom de sê-la.
— Se você quer acreditar na sua fantasia vai acabar maluca um dia. Repreendeu a minhoca abanando a cabeça em sinal de reprovação saindo logo em seguida sem dar muita atenção àquela coisinha que se julgava uma flor.
                 A sementinha confusa permaneceu ali, quietinha, se questionando:
— Será que sou maluca? Será que não é flor o que vejo e sinto dentro de mim?
                 Perdida em seus pensamentos foi desperta por uma formiga que começou a tocá-la de uma forma diferente. Sem saber das intenções da mesma, protestou em voz alta:
— Hei, o que você está fazendo comigo? Para onde está me levando? Largue-me! A formiga incomodada com tal protesto ordenou com firmeza e sem educação:
— Cale a boca! De hoje em diante você será o meu alimento. Espero que preste pelo menos para isto.
— Mas eu não sou alimento de ninguém. Eu sou uma flor! Solte-me, por favor!
                 A formiga não deu a mínima e continuou sua caminhada carregando-a nas costas. Apertada e presa como sempre, só que desta vez sob as garras da formiga, foi tomada de um medo intenso fechando os olhos, tentando negar esta nova condição de aprisionamento que a formiga lhe impusera. E assim foi levada durante muito tempo a algum lugar que nem mesmo sabia onde. Repentinamente, sem saber como, sentiu um certo alívio. Resolveu abrir os olhos e se deparou com uma grande surpresa. Um mundo inédito e luminoso se descortinou à sua frente. Mesmo querendo manter seus olhos abertos, a claridade lhe incomodava e involuntariamente os fechavam. Numa tentativa de se adaptar à nova situação, vivendo o incômodo e o fascínio em concomitância, perguntou, ansiosamente, à formiga:
— Que lugar é este?
                Sem querer perder seu tempo com explicações, a formiga continuou a sua caminhada sem dar nenhuma resposta à sementinha. No entanto, foi vencida pela insistência daquela florzinha contida numa semente que lhe perguntava repetidamente:
— Por favor, me diga que lugar é este?
— Você precisa me deixar trabalhar sossegada! Repreendeu a formiga.
— E você precisa me responder que lugar é este! Insistiu a sementinha.
— Isto é um jardim deserto e abandonado. Respondeu, finalmente, a formiga impacientemente.
— Talvez aqui seja o meu lugar. Sou uma flor e preciso de um jardim. Pode me deixar aqui, por favor?
— Você quer ficar num lugar que nem mesmo existe? Ironizou a formiga.
— Como assim? Como pode existir um lugar que não existe? Se ele está aqui é porque existe. Ponderou a sementinha.
— Jardim deserto e abandonado é simplesmente um lugar que não existe para ninguém. Completou a formiga.
               Neste momento, a sementinha foi tomada de grande angústia. Aquelas palavras tocaram no seu mais íntimo ser. Identificou-se com aquele jardim, pois era também uma flor que não existia para ninguém. Precisava tanto de um jardim e ele estava ali, deserto. Talvez aquele jardim também precisasse de uma flor para viver o seu mais nobre sonho, e ela, florzinha ainda contida, estava bem ali, assim como ele, abandonada e deserta. Era necessário que um começasse a existir para o outro fazendo desabrochar o sonho contido. Desesperada suplicou à formiga:
— Me deixe aqui para que eu possa me exercer neste jardim!
               A formiga não dava a mínima e continuava seu trabalho de carregar o seu precioso alimento. Este era um dos trabalhos mais importantes na comunidade das formigas. Quanto mais a sementinha se debatia em súplicas, mas apertada ia ficando nas garras daquela formiga ensurdecida para suas lamentações. Repleta de inquietação começou a repetir incessantemente a mesma frase numa tentativa de vencer a formiga pelo cansaço:
— Você nunca pára para me ouvir. Para que tanta pressa?
               Vencida pela insistência, a formiga respondeu irritada:
— Como você é chata! Não vê que não posso parar. A minha vida é trabalhar e nada mais. Não tenho tempo para bate papos.
— Poxa, viver só de trabalho deve ser muito ruim. Eu sonho com uma vida melhor que não se limite apenas a uma coisa só.
— Pois saiba que o meu trabalho é a minha vida e é ele que transformará você no meu alimento. Sendo assim, você não terá tempo para viver os seus sonhos. Se aquiete e não perca tempo com eles.
— Sonhar não é perda de tempo. Sonhar é o tempo e o espaço que abriga uma vida ainda melhor. Ressaltou a sementinha com sabedoria.
               A formiga foi ficando curiosa com aquele jeito esquisito da semente  de pensar sobre a vida. Sem perceber, foi estendendo o assunto numa tentativa de desvendar a curiosidade acerca de um mundo totalmente desconhecido vivenciado por outro ser.
— Só o trabalho tem o poder de melhorar a nossa vida. Afirmou a formiga.
— Mas, sem o sonho o trabalho perde o sentido. O trabalho existe para ajudar a realizar os nossos sonhos. Completou a sementinha.
— Nunca sonhei. Não tenho tempo para isto. O meu lema é: “Trabalhar para sobreviver!”.
— Acho que somos muito diferentes. Enquanto você pensa em sobreviver, eu penso em viver plenamente.
— O que é viver plenamente? Perguntou a formiga cheia de curiosidade.
                Aproveitando a curiosidade da formiga e querendo tirar proveito da situação, a sementinha falou com sabedoria:
— Eu não posso dizer-lhe o que vem a ser viver plenamente. Eu posso apenas mostrar-lhe. Para isto você terá que me largar neste jardim que você julga não existir para que o sonho de ser uma flor possa, finalmente, desabrochar inaugurando uma vida plena.
                A formiga querendo se manter no controle e poder expressou, finalmente, o seu autoritarismo:
— Você depende de mim! Se eu leva-la, mato uma flor e um sonho.
— E eu não poderei matar a sua curiosidade. Você passaria o resto da sua vida pensando no que vem a ser uma vida plena. Instigou a sementinha.
— Ah! Eu pensando? Nunca me imaginei assim. Não tenho tempo para pensar. Como já lhe disse, a minha vida é só trabalhar. Daqui a pouco nem me lembro mais que você existe.
— Mas, isto é muito sério! O trabalho roubou suas lembranças? Perguntou a sementinha.
— Para que servem as lembranças?
— Para viver o prazer de recordar um sonho que pôde ser vivido. Assim, aumentamos a nossa fé passando a acreditar ainda mais na possibilidade de viver todos os sonhos que carregamos dentro do nosso ser.
— Pois eu não carrego sonho algum, carrego apenas você nas minhas garras. Vamos parar com esta conversa, pois você está ficando pesada e eu cada vez mais cansada.
— Se você soubesse sonhar se cansaria menos e se cansando menos tudo ao seu redor ficaria mais leve. Falou com ternura a sementinha acuada numa tentativa de estimular na formiga outra forma de ser.
— Como é que o sonho pode descansar alguém?
— Na verdade, não somos apenas nós que carregamos um sonho, o sonho também nos carrega. No colo do sonho a gente relaxa e acredita que tudo vai dar certo. Acreditando que tudo vai dar certo, a gente se sente mais segura e forte. Munida de força, tudo fica leve, fácil de levar.
              Sentindo inveja da sabedoria da flor, a formiga tentou desmanchar toda a esperança que brilhava em seu semblante dizendo:
— Eu não deixarei você viver o seu sonho e acabarei de uma vez com esta filosofia barata.
— Eu acredito que posso ser uma flor. A sua amargura jamais apagará a minha esperança. O meu sonho vai arrancar-me de suas garras e carregar-me em seu colo acolhedor.
— Você é muito ingênua. Como isto poderia acontecer? Você está bem presa ao meu desejo  e decidi não libertar você. Falou com escárnio a formiga autoritária.
— Não sei ainda como poderei me libertar de sua prepotência e autoritarismo, pois existem infinitas formas. Sei apenas que será escolhida aquela que melhor se adequar ao meu desenvolvimento.
              O cansaço foi tomando conta da formiga. Exausta tentou impor limites àquele diálogo que parecia fragiliza-la:
— Cale a boca agora mesmo! Cada vez que você intensifica seus sonhos, você fica mais pesada. Tenho muito que caminhar e está ficando cada vez mais difícil carrega-la.
— Eu não vou me calar e você não irá conseguir me carregar, pois meus sonhos são leves para mim, no entanto, pesados demais para quem não consegue construir os seus.
— O meu trabalho é a minha única construção. Falou a formiga com moralismo.
— O trabalho dignifica o ser, mas, cuidado com ele, pois além de libertar tem também o poder de aprisionar e matar.
— Pare com esta sua tagarelice! Você já está me matando de cansaço com este seu discurso tolo.
— Não sou eu que estou lhe matando de cansaço, mas esta sua forma mecânica de trabalhar. Por que você não pára e descansa um pouco?
               Neste instante, a formiga olhou para o céu e percebeu que algumas nuvens negras anunciavam o presságio de uma tempestade. Tentou apressar ainda mais o passo e foi novamente interrompida pela sementinha:
— Você não vai agüentar. Relaxe!
— Não posso perder tempo. Tenho muito que fazer.
— Você não estará perdendo tempo, pelo contrário, estará ganhando tempo de relaxamento e descanso. Relaxar é um trabalho de renovação.
— Este tipo de trabalho não me interessa. Desprezou a formiga, os conselhos da flor.
               Imersa em sua teimosia e rigidez, a formiga continuou caminhando e apressando cada vez mais o seu passo. À medida que andava foi, gradativamente, se tornando impossível carregar uma semente que parecia inicialmente tão leve. Sem entender o que estava acontecendo, repentinamente foi obrigada a parar, pois o seu corpo foi perdendo os movimentos e mal podia respirar. Desabou-se sobre o chão, mas continuou apegada à semente mantendo-a agarrada às suas garras.
— Você não irá me vencer! Eu não te solto por nada neste mundo. Mesmo que eu morra, continuará atrelada a mim. Finalizou a formiga irrompendo-se num sono profundo semelhante à morte.
        Vencida pelo sono, sem a consciência de estar viva ou morta, a formiga sonhou pela primeira vez. Sonhou com a chuva caindo e penetrando pelos poros de uma terra seca e sedenta de água. Viu o sorriso da terra em cada gole de água que a chuva fartamente lhe oferecia matando a sua sede e deixando-a macia e fofinha. Fertilizada pela umidade, viu aquela terra abraçando cada semente presente em seu seio. Assistiu a maravilhosa transformação das sementes. Presenciou o nascimento de um belo jardim. Emocionou-se pela primeira vez! Nunca vira espetáculo mais belo e emocionante. Conquistou a benção de enxergar e sentir plenamente. No entanto, o júbilo da transformação só não acontecia para uma semente presa nas garras de um ser horrível que inerte a sufocava em suas garras. Aquele ser transformou o seu sonho num pesadelo. Queria liquidá-lo, mas não sabia como. Incomodada, não se satisfazia em ser apenas uma espectadora de seu sonho, precisava entrar dentro dele e salvar a semente. Mas não tinha como entrar no sonho. Naquele momento fora lhe concedido apenas o direito de assisti-lo. Sem poder viver ativamente aquele sonho, sentiu-se impotente e tristonha. Impotente para agir, identificou-se com a semente aprisionada. Identificando-se foi desenvolvendo uma empatia muito grande dentro de si.
        De repente surgiu uma esperança.  Viu uma formiga trafegando cabisbaixa pelo cenário onírico carregando algo com um apego desenfreado. Pensou que talvez ela pudesse salvar aquela semente. Tentou influencia-la de todas as formas, mas ela parecia não ter ouvidos e nem mesmo olhos, pois não percebia nada ao seu redor estando totalmente presa em si mesma. Teve raiva e pena dela, mas nada podia fazer. Podia apenas assistir a tragédia da mesma por não perceber as coisas belas. A impotência fazia um desejo ardente de mudança ir crescendo dentro de si. Foi então que começou a perceber que o seu desejo semeava a semente de um sonho. Passou assim a ter muitos sonhos. Viveu por um bom tempo o prazer de sonhar, precisava agora acordar para realizar tudo que havia construído em sonho. Quem haveria de acordá-la?
         Acordou. Acordou como todos nós acordamos depois de uma noite bem dormida.  Acordou relaxada e descansada. Sem saber quanto tempo dormira, foi despertada por uma voz suave que lhe ordenou com doçura:
— Levante, acho que já dormiu o suficiente.
— Quem é você? Perguntou a formiga.
— Eu sou a transformação de um sonho. Respondeu uma bela flor que acolhia a formiga sobre suas pétalas protegendo-a.
— Você quer me dizer com isto que és uma realidade?
— Isto mesmo, sou a flor que realizou o sonho de uma sementinha.
— Você é uma bela flor! Afirmou a formiga admirando-a.
— Fico feliz de vê-la conseguindo me enxergar assim.
— Mas, por que? Perguntou a formiga confusa.
— Por causa de uma longa história. Respondeu a flor olhando no fundo dos olhos da formiga.
— Que história?
— Você quer mesmo saber?
— Se você quiser me contar...
— É uma longa história. Você teria tempo para ouvi-la? Perguntou a flor querendo checar a disponibilidade da formiga.
— Não sei como, mas aprendi de alguma forma que o tempo é a gente que faz. Sendo assim, agora sou toda ouvidos.
              A bela flor deu um sorriso exalando um perfume relaxante e tranquilizador. Com muita ternura contou para a formiga uma história mais ou menos assim:
— Era uma vez uma sementinha que pensava ser uma formiga maldosa. Com medo de desabrochar, ela não se permitia sonhar, pois sabia que os sonhos fazem desabrochar o nosso mais íntimo ser. Para se proteger dos sonhos criou uma armadura que a deixava dura muito dura, difícil de rachar. O sentimento mais forte que carregava dentro de si era a inveja, pois o que mais temia era assistir a realização dos sonhos de qualquer ser que encontrasse em seu caminho. Sendo assim, tentava destruir todas as sementes que carregavam um sonho aprisionando-as em suas garras. Fazia disto o seu trabalho e alimentava-se da tristeza do outro. Não percebia que quanto mais se alimentava de tristezas, mais triste e amarga ficava. Um dia, entretanto, encontrou e tentou aprisionar uma semente que acreditava ser uma flor. Ela acreditava tanto, que ninguém conseguia abalar a sua fé. Ao contrário da formiga maldosa, ela se alimentava apenas de esperança, otimismo e amor. Sabia que nenhuma garra malvada seria capaz de carregar por muito tempo estes sentimentos. E foi o que aconteceu. A formiga sucumbiu-se. No entanto, mesmo vencida não largava a semente. Quando tudo parecia estar perdido, a benção divina caiu sobre a semente boa e sobre a semente má em forma de chuva. A água abençoada limpou os maus e fertilizou os bons sentimentos. À medida que este milagre acontecia, as garras da semente que se julgava uma formiga má foram relaxando e um lindo broto nasceu da boa semente que nunca duvidou ser uma flor. Este broto foi crescendo lentamente e se transformando numa linda flor que alimentava com seu néctar e ninava todos os dias uma sementinha que em forma de formiga precisava sonhar um sonho bom e, finalmente, acordar do pesadelo de não conseguir sonhar ser ela mesma.