“A INTOLERÂNCIA É UMA VIA PERIGOSA QUE ATROPELA OS
RELACIONAMENTOS, DEIXANDO-OS COM A LAMENTÁVEL SEQUELA DA PARALISIA”
TOLERÂNCIA
É um alimento cuja essência lhe
proporcionará o refinado poder de aprimorar o seu paladar, distinguindo,
admitindo e respeitando qualquer padrão cujo gosto pela vida seja diferente ou
contrário ao seu.
CUSTO
O preço máximo que poderá pagar é o de
ser acusado de conformista, covarde e omisso. No entanto, quem investe na
tolerância jamais aplica sua energia no conformismo, na covardia e na omissão,
pois sabe que a mesma é um rentável investimento que, mesmo não oferecendo
lucros imediatos, permite a longo prazo consolidar e firmar as bases de um
sólido negócio chamado VIDA.
Para quem está decidindo ou não
investir na tolerância, lembre-se que desenvolvimento é um investimento baseado
num processo, jamais, numa ação relâmpago.
TIRA GOSTO
INTOLERANTE
NÃO TOLERO
TER QUE TOLERAR
QUERO-TE PERFEITO,
TOLERANDO MINHAS IMPERFEIÇÕES
NÃO TOLERO
TER QUE TOLERAR
OS LIMITES QUE ME IMPÕE
INTOLERÁVEL FRUSTRAÇÃO.
NÃO TOLERO
TER QUE TOLERAR
TOLERÂNCIA PARA TODOS.
DESEJO TOLERÂNCIA SÓ PRA MIM
NÃO TOLERO
TER QUE TOLERAR
A SUA RAZÃO.
RAZÃO SÓ MINHA
NÃO TOLERO
TER QUE TOLERAR.
DAÍ NÃO TOLERO,
BRIGO
NÃO TOLERO
TER QUE TOLERAR
A VIDA QUE NÃO TOLERO.
MORRO.
BRIGO,
MORRO,
FAZENDO JAZIR
A TOLERÂNCIA DO MEU EU
INTOLERANTE.
INGREDIENTES
Essência da paciência e da
empatia.
PREPARO
Sabemos que cada região tem a sua culinária especial.
Tomando, como exemplo, o estado de Minas Gerais e Bahia, encontraremos as mais
diversas comidas típicas. Não há nada mais saboroso do que saborear em Minas,
saído direto do fogão de lenha, o tão famoso frango caipira com quiabo. Como
também é especialmente agradável saborear, na Bahia, o tão saboroso acarajé,
preparado por uma baiana bem relaxada, vestida com lindos trajes na beira do
mar.
Será que dá para saborear em Minas, o
saboroso acarajé baiano? Sem baiana e sem mar, como ficaria o sabor do acarajé?
Será que o acarajé mineiro desce? Minas, com seu sabor caipira, conseguiria
imitar o sabor relaxado do baiano? Confesso que prefiro saborear o acarajé
baiano na beira do mar, preparado por uma baiana tipicamente vestida, tomando o
máximo cuidado para não escolher o quente acarajé, que queimaria a minha boca
com seu sabor extremamente apimentado. Mas, confesso também que já tive o
prazer de experimentar o acarajé feito em Minas e desceu bem. Mesmo preparado
por uma mineira e sem a presença do mar, eu soube apreciar as diferenças, ao
invés de amaldiçoá-las. Apesar de saber, perfeitamente, que não era o nosso
forte, ele continha na sua essência o precioso desejo de dar certo. Era
diferente, mas desceu gostoso e matou a minha fome, porque aceitei, naquele
momento, digerir bem os limites e as diferenças.
O prato da tolerância é, de certa
forma, uma imitação do original. Nunca o encontraremos na perfeita forma que
gostaríamos. O que vai torná-lo especial e tão apreciado quanto o original é a
essência utilizada. Para qualquer alimento que precisar provar, que fuja dos
padrões estabelecidos como ideais para você, utilize a essência da paciência e
da empatia. Estas essências dão ao alimento a ser digerido um tempero que abranda
as limitações e diferenças de maneira a torna-lo apreciado pelo seu paladar. Tome muito cuidado
para não usar a essência da expectativa e do arrogo, pois elas com certeza
darão um sabor tão apimentado que, além de desencadear em você o forte e
deseducado desejo de cuspi-lo, poderá também engasgá-lo ou descer goela abaixo
gerando fortes feridas e uma significativa gastrite em seu coração.
SOBREMESA
O CONFLITO
DAS FLORES
Num jardim povoado por inúmeras
espécies de flores, havia uma que jamais conseguia desabrochar e florir. Estava
sempre fechada e murcha. Trancada em si, não exalava seu perfume, negando a
todos os habitantes daquele lindo jardim o prazer de inalar o seu aroma.
Levando um estilo de vida que a diferenciava das demais flores, começou a
incomodar a grande maioria delas.
—
Se pudéssemos expulsá-la daqui... Não somos obrigadas a aceitar um ser tão
egoísta, que jamais presenteou o nosso lar com a sua beleza e com o seu
perfume. Diziam algumas flores, revoltadas com o caráter enclausurado daquela
flor.
—
Seu humor trancado incomoda a todos nós, mas quem sabe ela resolva desabrochar
na próxima primavera. Diziam outras flores, um pouco mais otimistas, exalando
esperança.
Não havia revolta ou otimismo que
fizesse aquela flor desabrochar. As estações se revezavam anos a fio e ela
continuava da mesma forma. Certo dia, diante de uma lamentação generalizada,
cujo algoz era aquela flor, o sábio Amor-perfeito resolveu intervir:
—
Vocês precisam ser mais tolerantes com ela.
Dona Rosa, sempre muito apreciada pela
sua beleza e perfume, questionou:
—
Você está querendo dizer que devemos concordar com este humor terrível que ela
possui?
—
Ser tolerante não pressupõe concordar com tudo, mas aprender a aceitar o jeito
incomum de certas coisas que nos incomodam. Ponderou o Amor-perfeito.
—
O correto é mudar ou combater tudo aquilo que nos incomoda. Afirmou o Girassol
com firmeza.
—
Nem sempre podemos mudar ou combater tudo aquilo que nos aborrece.
—
Concordo plenamente com você, Amor-perfeito, e complemento um pouco mais isto
que você acabou de falar. Mesmo que possamos combater algumas situações que nos
aporrinham, nem sempre desejamos este combate. É prudente e preferível
apostarmos primeiro em outras estratégias, como, por exemplo, na possibilidade
de transformação ou na nossa capacidade de aprender a lidar com algumas
situações que somos impotentes para mudar. Completou o Cravo.
—
Seria dar tempo ao tempo para ver se as coisas mudam? Perguntou a orquídea
exalando dúvida.
Antes que obtivesse resposta, o
vigoroso Girassol interveio com aspereza:
—
As mudanças não acontecem por acaso. Precisamos fazer alguma coisa. Para mim,
ser tolerante é burrice e covardia. A tolerância permite que a ruindade, que a
injustiça e a chatice perdurem. Aceitar aquilo que precisa ser mudado é
comodismo.
—
Engano seu. Tolerância não significa passividade diante das coisas. Tolerar é
perseverar na paciência agindo, concomitantemente, com sabedoria para produzir
um efeito positivo naquilo que precisa ser mudado. Corrigiu sabiamente o
Amor-perfeito.
Naquele momento, todas as flores se
entreolharam surpresas. O silêncio reinou por alguns minutos, abafando o zunido
das reclamações, até que a Camélia resolveu perguntar:
—
O que precisamos fazer para ser tolerante com esta flor que não tem sido nem um
pouco tolerante conosco?
Amor-perfeito, deixando-se levar pela
brisa e tentando refrescar suas ideias, continuou:
—
Realmente esta flor que desconhecemos tem sido muito intolerante com todos nós.
Parece não aceitar o nosso perfume e a nossa beleza, pois jamais compartilhou
suas virtudes conosco. O mais importante agora é não permitirmos a ela nos
contaminar com sua energia, tentando germinar a semente da intolerância dentro
de todos nós.
—
Esta é uma boa dica! Exclamou a Camélia, interrompendo o Amor-perfeito que lhes
assegurou dizendo:
—
No entanto, existem outras dicas tão importantes quanto esta.
—
Quais? Perguntaram dezenas de flores ao mesmo tempo.
Satisfeito com o aroma de interesse que
passou a exalar naquele jardim a partir daquele momento, Amor-perfeito
continuou:
—
Outra dica é não alimentarmos expectativas com relação a ela. Quanto mais
expectativas tivermos, mais frustrados corremos o risco de ficar. A frustração
é um terreno fértil para a intolerância. Devemos tomar cuidado com ela e
aprendermos a administrá-la.
—
Devo admitir que ando bem frustrada com esta flor. Já perdi a conta de quantas
primaveras venho esperando ela desabrochar. Admitiu a Margarida.
Amor-perfeito deu um sorriso para a
graciosa Margarida e persistiu no seu discurso:
—
Existe uma dica que é fundamental para quem deseja ser tolerante. Trata-se de
sermos empáticos. E ter empatia não pressupõe ter simpatia por ela. Empatia e
simpatia são duas coisas bem diferentes. Ser empático é tentar compreender os
motivos que levam um ser agir de determinada forma.
Foi interrompido pela Dália que
interveio, questionando:
—
Se até hoje não conseguimos descobrir os motivos que a levam a agir desta
forma, como poderemos compreender estes motivos?
—
Se você não descobriu os motivos, tente no mínimo compreender, que mesmo diante
da incompreensibilidade, há sempre um motivo oculto, que faz um ser agir de uma
forma ou de outra. Por mais mesquinho que seja este motivo, ele caracteriza a
razão deste ser.
—
Parece que existem razões que a própria razão desconhece. Completou o
Crisântemo.
—
É verdade, estamos longe de desvendarmos todos os mistérios e dilemas desta
vida.
—
Haja paciência! Exclamou o Girassol, espargindo ansiedade e impaciência.
Amor-perfeito aproveitou a impaciência
do amigo e remendou sua colocação:
—
Talvez seja a paciência a dica mais importante. Precisamos exercitá-la, além do
respeito pelos seres que nos incomodam. A ciência da paz nos incita a parar de
guerrear. Na guerra, não há lugar para a tolerância. Há espaços apenas para um
combate que fere e destrói ambos os lados. Se você não deseja se destruir pare
de guerrear.
O Girassol se surpreendeu, parecendo
ter sido tocado em suas raízes pela última sentença do amigo. Pensativo,
calou-se, dando mais espaços para a preleção do Amor-perfeito perdurar:
—
Uma dica também importante é nos comprometermos a curar o nosso olhar.
Precisamos fixá-lo na nossa beleza e na beleza de nosso jardim e não somente
numa única flor que não consegue florir. Esta flor não é nosso jardim. O nosso
jardim somos todos nós.
Naquele momento, uma luz verde pareceu
inundar o ambiente. Alguma coisa diferente parecia estar brotando no âmago de
cada flor ali presente. Percebendo as nuanças de uma mudança, Amor-perfeito
prosseguiu, proferindo:
—
Consigo sentir agora a esperança em cada um de vocês. Era o que nos faltava.
Precisamos substituir nossas expectativas pela esperança. Ela nos nutre e não
habita apenas o aqui/agora. Ela reside no infinito, que abriga soluções para
algum momento ou lugar dos quais não temos domínio e poder.
Finalizada a prédica do Amor-perfeito,
todas as flores reverenciaram-no com seu perfume. Adotaram dali para frente uma
postura tolerante para com aquela misteriosa e mal humorada flor. Quanto a ela,
continuou incomodando, no entanto, o posicionamento de todas as flores perante
este incômodo mudou significativamente. Seguindo as orientações do
Amor-perfeito, o incômodo pareceu ter diminuído num passe de mágica e o que
restou dele passou a ser encarado como um adubo para o crescimento de cada flor
ali existente.
Aquela flor jamais se abriu. Um dia,
sem que ninguém soubesse compreender os motivos, ela foi arrancada daquele
jardim. Um beija-flor, que acompanhou tudo de perto, disse que ela foi replantada
em outro lugar. Só não sabemos ainda se ela vai florir. O que você acha? Eu só
sei que, fertilizada pela tolerância, a gente consegue ter, no mínimo,
esperanças.
Que
ela desabroche!