“ASSUMIR A
LIBERDADE É PRENDER-SE À DIFÍCIL RESPONSABILIDADE DE SER DONO DA PRÓPRIA VIDA”
LIBERDADE
Liberdade é um prato
que lhe faz adquirir a mais desejável, porém temível e difícil conquista: “ser
dono de si mesmo”.
CUSTO
Liberdade não é
gratuita, custa direitos e deveres. Os direitos adquiridos possuem o valor de
proporcionar-lhe a possibilidade de fazer tudo que desejar. Os deveres lhe
concedem o alto preço da responsabilidade de assumir as consequências de todos
os seus atos. “Ter direitos custa o dever de assumir riscos e consequências”.
TIRA GOSTO
BICHO HOMEM
PENSAR EM LIBERDADE
É APRISIONÁ-LA
NA GAIOLA DA MENTE
ACORRENTANDO COM A RAZÃO
A NOSSA RAZÃO DE SER
CONQUISTAR A LIBERDADE
PRESSUPÕE JÁ TÊ-LA PERDIDO
LIVRE É
SEM PRECISAR SER
LIVRE DE BATALHAS OU
CONQUISTAS
NENHUM BICHO
SUA LIBERDADE QUESTIONA
SÓ O BICHO HOMEM
QUE DONO SE JULGA
DO QUE É INAPROPRIÁVEL
O BICHO HOMEM
FINGE QUE É DONO
AO OUTRO DÁ LIBERDADE
SÓ NÃO CONSEGUE DAR
LIBERDADE A SI MESMO
BICHO HOMEM
PROPRIETÁRIO APRISIONADO
ESCRAVO DE SEUS ESCRAVOS
SABE APRISIONAR
LIBERTAR JAMAIS
QUAL O SENTIDO DA LIBERDADE
PARA O BICHO HOMEM
QUE ESCRAVO DA
INSENSIBILIDADE
NÃO SENTE MAIS
O SENTIDO DE SENTIR
BICHO HOMEM
ESPÉCIE QUE SE JULGA
ESPECIAL
ESPECIALMENTE CAPAZ
DO OUTRO SE APROPRIAR E SER
APROPRIADO
BICHO HOMEM
APRISIONA OUTRAS ESPÉCIES
APRISIONA A SUA PRÓPRIA
ESTRANHO JEITO DE SER
SER HOMEM
QUE O BICHO HOMEM POSSA
DEIXAR DE SER HOMEM
E TORNAR-SE BICHO
E COMO BICHO
LIBERTAR-SE
INGREDIENTES
MASSA: Coragem, segurança, independência
e responsabilidade.
RECHEIO: Os mais variados direitos que
possuir
PREPARO
É
parecido com o preparo de uma pizza. Primeiro prepare a massa, misturando
bastante coragem, segurança, independência e responsabilidade. Amasse bem até
sentir firmeza, ou seja, produza uma massa homogenia e consistente o suficiente
para não agarrar nos dedos de suas mãos. Se estiver agarrando é porque não tem
ainda a firmeza necessária para ir ao quente forno da vida. Talvez precise ser
mais trabalhada, ou de uma quantidade maior de um dos ingredientes acima. No
entanto, quando estiver firme e soltando de suas mãos, disponha-a no tabuleiro
de seu ser e jogue por cima o delicioso recheio dos direitos. Unte o tabuleiro
com seus deveres, para não agarrar e destruir tudo que foi construído até
então. Seguidos todos estes passos, é só colocar para assar numa vida quente
que jamais lhe deixará sentir a frieza do exílio e do aprisionamento.
SOBREMESA
CARTA DE ALFORRIA
Num reino distante existia um rei e uma
rainha que aguardavam ansiosos o nascimento de um filho. O feiticeiro da corte
previu o nascimento de uma bela menina que foi aguardada com muita alegria por
todos.
No dia do nascimento, todas as
personalidades dotadas de poder foram convidadas para presentear a nova
princesa com os mais variados dotes que pudessem ofertar à vida da mesma a
plena felicidade. Como todo conto de fadas existe uma bruxa má, a dita cuja não
poderia deixar de habitar este conto e visitar a bela princesa bem no dia de
seu nascimento oferecendo a ela a sua maldição. Pegou a criança no colo e rogou
sobre a mesma toda a sua maldade:
—
Terás o título de princesa, mas será uma verdadeira escrava!
Perplexos com tamanha crueldade,
expulsaram a maldita bruxa do aposento onde se encontravam todos os convidados.
Como ela fora a primeira pessoa a presentear a princesa, os outros convidados
trataram de desejar à mesma todas as honrarias e poderes que pudessem
libertá-la de tamanho infortúnio.
—
Serás sempre a mais linda moça do reino. Ninguém conseguirá ultrapassar a sua
beleza. Dona de tanto encanto, jamais correrá o risco de se tornar uma escrava.
—
Terás a pele branca e fina como seda, sendo, portanto, impossível confundi-la
com uma escrava.
— Terás muitas posses, serás dona
de tudo, sendo, portanto, inadmissível ter um dono.
O rei na condição de pai lhe ofertou um
nome e uma grande pedra valiosa:
— Dar-lhe-ei o nome de Libéria, que significa
livre, para que carregue para sempre em sua identidade a marca da liberdade.
Receba também este cristal, para que sua vida possa emanar a energia da
prosperidade.
Por último, apareceu uma respeitável
fada que com muita ternura rogou-lhe uma preciosa oferta que, mesmo não sendo
compreendida, foi ouvida e aceita por todos sem objeções:
—
Ofereço-lhe a sua carta de alforria. Aos 21 anos, poderá desfrutá-la, deste que
reconheça o senhor que lhe escravizará por todo este tempo, podendo finalmente se libertar dele.
O tempo foi passando, a princesa foi
crescendo e se transformando, dia após dia, na moça mais bela do reino. Uma
complexa rede de artimanhas e defesas era a
todo o momento montada para impedir que a
maldição da bruxa se concretizasse. Todos os desejos da princesa eram
satisfeitos imediatamente, não
lhe era permitido viver nenhuma frustração. Ao seu lado, sempre existia
alguém pronto a atendê-la; jamais experimentava a condição de estar só para não correr o risco de desejar e não ser prontamente
atendida. Nunca lhe foi solicitado que desenvolvesse qualquer tarefa; por mais
simples que fosse, havia sempre alguém que pudesse desenvolve-la por ela. Era apenas atendida, jamais
vivera a experiência de atender alguém.
Sua pele era tão branca e fina que não podia ser
tocada diretamente pelo sol. Quando saía para dar um passeio pelos arredores do
castelo, havia sempre um guarda-sol a proteger sua pele de qualquer raio solar
que pudesse agredi-la.
Enormes espelhos foram espalhados pelas paredes do
castelo para que a princesa pudesse se distrair contemplando sua beleza,
obstinando-se a buscar sempre a perfeição. Ela era o padrão e a referência de
beleza para as outras moças do reino. Todas desejavam ser igual a ela, para que
pudessem ter a chance de serem desejadas e apreciadas pelo tão esperado
príncipe encantado. Sem perceber, Libéria foi se tornando escrava de sua
beleza.
Uma princesa tão bela e perfeita deveria se casar com
um príncipe belo e perfeito. Todos os sábios da corte foram convidados para
ajudar a escolher um homem que conseguisse se encaixar dentro dos padrões de
perfeição exigidos. O tempo foi passando e nenhum jovem conseguia satisfazer as
exigências solicitadas. Um clima de ansiedade passou a reinar naquele império
de desejos inalcançáveis e a jovem princesa foi ultrapassando a época julgada
ideal para um casamento. Para que este problema pudesse ser resolvido sem gerar
maiores conflitos, estabeleceu-se que, a partir daquela data, o ideal seria
casar-se aos 21 anos. Este passou a ser mais um padrão criado a partir das
necessidades da princesa e todas as jovens tratavam de segui-lo, sem
questionamentos, para se aproximarem ao máximo do ideal estabelecido.
O tempo continuou passando e finalmente a princesa
completou 21 anos. Mais uma vez não foi encontrado nenhum jovem que pudesse
satisfazer os padrões de perfeição exigidos para uma princesa de tamanha categoria.
Todos se reuniram novamente, tentando criar mais uma forma de solucionar este
conflito antes que ele pudesse ser vivido e sentido pela princesa. Sem
encontrar uma solução para o mesmo, resolveram consultar a respeitável fada que,
no dia do nascimento da princesa, ofertou-lhe um presente incompreensível e
misterioso: sua carta de alforria. Indagaram-na sobre a má sorte de Libéria.
—
A maldição de se tornar uma escrava não recaiu sobre a nossa querida princesa;
no entanto, precisamos libertá-la da má sorte de não ter encontrado ainda um
casamento perfeito. A dita carta de alforria que você lhe ofertou em seu
nascimento teria a finalidade de libertá-la deste infortúnio?
—
Não. A carta de alforria que lhe ofertei a libertaria da escravidão que a bruxa
lhe rogou. Respondeu a fada com firmeza.
—
Como pode afirmar ser a princesa uma escrava? Perguntaram perplexos.
—
Ela é tão escrava quanto cada um de vocês. Continuou a fada.
—
Nós não somos escravos. Afirmaram.
—
Vocês são escravos de sua cegueira, ou seja, de tudo que não conseguem enxergar.
Sem quererem enxergar aquilo que os
escravizava, mas sentindo-se responsáveis pela liberdade da princesa
perguntaram ansiosamente:
—
Diga-nos então o que podemos fazer para libertar pelo menos a nossa princesa,
para que ela possa finalmente se casar.
—
Deixe que ela se case primeiro com ela mesma. Proferiu a fada, com sabedoria.
Todos se entreolharam confusos. Nunca
ouviram falar que alguém pudesse casar consigo mesmo. Desesperados, sem
encontrar saída para aquela situação conflituosa, apelaram para a sabedoria da
tão respeitável fada, depositando sobre a mesma toda a esperança. Trataram
rapidamente de providenciar o encontro da princesa com aquela entidade
misteriosa e, ao mesmo tempo, fantástica, que a libertaria.
Diante do espelho Libéria se enfeitava
e contemplava sua beleza. Viu repentinamente a imagem da fada refletida ao lado
da sua. Surpresa, perguntou:
—
Quem é você?
—
Eu sou sua fada madrinha.
—
O que faz aqui?
—
Eu vim finalmente entregar-lhe o presente que lhe ofereci há 21 anos.
—
Obrigada! Pode deixá-lo sobre a mesa que tratarei de abri-lo e apreciá-lo.
Agradeceu a princesa.
—
Ao invés de abri-lo, terá primeiro que se abrir para ele e ao invés de
apreciá-lo, terá de conquistá-lo. Ponderou a fada.
—
Que tipo de presente é este? Recebi presentes durante toda a minha vida. Sempre
segui o ritual de abri-los, apreciá-los e fazer uso deles. Isto é tudo que sei
fazer com aquilo que me é oferecido. Explicou Libéria.
—
Trago-lhe um presente diferente de tudo que já recebeu. Aliás, trago-lhe pela
primeira vez a possibilidade de experimentar um sabor que desconhece.
—
Que sabor desconheço? Perguntou Libéria
—
Você desconhece o sabor das conquistas. Tudo lhe foi dado, você nunca precisou
conquistar nada. Você tem tudo e ao mesmo tempo não tem nada. Tudo que possui
foi conquistado graças ao suor de uma outra pessoa, que você nem mesmo se deu
ao trabalho de saber quem. Além de suar para você, este outro também desejou
para ti aquilo que você inocentemente julgou ter desejado. Na verdade, tudo que
deseja é uma extensão do desejo do outro. Da vida você pouco conhece e é
justamente o conhecimento da mesma que nos permite desejar ardentemente ou
colocar limites aos nossos desejos.
A princesa ficou muito assustada com
tudo aquilo que a fada acabara de lhe dizer. Mesmo sem arredar o pé da frente
do espelho, sentiu-se jogada num mundo completamente diferente. Num passe de
mágica, a imagem que viu diante de si não era mais daquela princesa que por
anos se contemplou cheia de vaidade. Viu a imagem de uma mulher feia,
comodista, fútil, insegura e sem vitalidade. Pela primeira vez, experimentou o
sabor do desespero e, tomada pelo mesmo,
jogou sobre o espelho o cristal presenteado pelo seu pai no dia de seu
nascimento, simbolizando a prosperidade que tanto desejava à filha. O espelho
se espatifou em pedacinhos, ferindo as
mãos da princesa. Imediatamente, vários servos se aproximaram assustados,
recolhendo a princesa com a finalidade de providenciar os recursos necessários
para tratar do seu primeiro ferimento. A fada se interpôs-se com firmeza,
expulsando-os daquele aposento:
—
Deixem Libéria tratar de si mesma.
—
Eu não sei tratar de minhas feridas! Exclamou Libéria tomada de pânico.
—
Aprenda! Desafiou a fada.
—
Como aprender, se nunca me ensinaram? Questionou a princesa.
—Às
vezes, é necessário ensinarmos a nós mesmas a melhor maneira de agir. Expôs a
fada com sabedoria.
—
E como se faz isto?
—
Experimentando.
—
O que devo experimentar agora? Perguntou Libéria ansiosa por uma resposta.
—
Experimente o presente que estou lhe oferecendo. Respondeu a fada, cheia de
entusiasmo.
—
Que presente é este que está me oferecendo e que eu não consigo enxergar?
—
Na verdade, já está começando a enxergar este presente, só não sei ainda se vai
apreciá-lo e querer usufruí-lo.
—
Não estou conseguindo entender nada. Seja mais clara e me fale que presente é
este. Solicitou com imposição a princesa.
—
Eu lhe trouxe a sua carta de alforria.
—
Para que serve uma carta de alforria?
— Para liberta-la.
—Libertar-me...
Como assim, não entendi.
A fada contou à princesa toda a
história de seu nascimento, história até então desconhecida. Libéria ficou
indignada com o destino que lhe impuseram. Percebeu que não fora, até então,
dona de sua própria vida e que em nenhum momento lhe foi permitido escrever nem
uma linha sequer de seu destino. Decepcionada, perguntou à fada:
—
Quer dizer que sou uma escrava vestida de princesa?
Sem responder diretamente a sua
pergunta, a fada lhe fez uma outra, que pudesse forçar a princesa a pensar
sobre a sua condição.
—
Você se sente livre?
—
Nunca pensei e nem me dei conta disto. Pela primeira vez, você está me fazendo
pensar sobre alguma coisa. Acho que me tornei escrava da minha alienação, dos
desejos que todos tiveram de me fazer feliz, enfim, me tornei escrava de um
grande vazio.
—
Libertar deste vazio pressupõe assumir uma série de responsabilidades. Advertiu
a fada madrinha.
—
Sinto que não conseguirei voltar atrás depois desta tomada de consciência. Eu
não sei ainda se eu era feliz ou infeliz absorta em tanta alienação. Eu só sei
que o momento presente me solicita que eu seja eu, e a única coisa que sei a
meu respeito é que sou Libéria. Como Libéria, eu carrego a liberdade em minha
identidade e desejo experimenta-la.
—
A sua tomada de consciência se transformou na valiosa carta de alforria que lhe
presenteei. Agora você é finalmente livre para escolher ser escrava ou dona de
si.
—
Quer dizer que se é livre para escolher, inclusive ser escravo?
—
Se é livre para escolher ser dono de si e escravo, se é livre para escolher
pela vida e pela morte, se é livre para escolher ser feliz ou infeliz, enfim se
é livre para SER. A liberdade não é uma forma ou condição de ser, a liberdade é,
na verdade, um espaço de escolha. No entanto, só conseguimos ocupar este espaço
quando tomamos consciência da sua existência. Elucidou a fada.
—
Então, liberdade não é poder fazer tudo aquilo que se deseja? Perguntou
Libéria.
—
Você tem a liberdade de fazer até mesmo aquilo que não deseja. Na verdade, o
ser humano tudo deseja, mas existem limites que restringem a satisfação destes
desejos. Ser livre não pressupõe jamais não ter limites. Ser livre é poder
administrá-los. A consciência destes limites nos permite usar a nossa liberdade
com mais sabedoria.
—
Talvez liberdade seja a conquista do poder de administrar a nossa própria vida.
Concluiu Libéria.
—
Administrar bem ou mal. Finalizou a fada, sorrindo.
Libéria agradeceu muito o presente que
sua fada madrinha lhe ofereceu. Apesar de doloroso, fora também o presente mais
valioso que recebeu em sua vida. Quanto ao destino desta princesa, poucos
souberam me informar. Fiquei sabendo apenas que não aceita mais babás ao seu
lado, apanha sol todas as manhãs tomando os devidos cuidados com os raios
ultravioletas, que chegaram a lhe causar, numa certa ocasião, uma terrível
insolação por ter abusado e não reconhecido os limites saudáveis ao corpo. Aprendeu
também a tratar de seus ferimentos sozinha, mesmo carregando algumas cicatrizes
pelo corpo. Dizem que demorou muito a se casar, pois afirmava estar em lua de
mel consigo mesma. Muitos acharam que estivesse ficando maluca, mas parecia não
estar nem ai para qualquer comentário que fizessem a seu respeito. Quando. Finalmente,
decidiu se casar, tudo indica que não escolheu um príncipe encantado. Escolheu um
homem que parecia não ser perfeito, pois ela dizia ter casado bem as
imperfeições dele com as suas, administrando-as da melhor maneira possível.
Não conheci a Libéria desta história,
mas conheci inúmeras Libérias ao longo de minha vida. Tem uma inclusive que
nasceu e reside dentro de mim. Ela está agora me fazendo um pedido que deverá
ser repassado a todos vocês:
—
LIBERTE-SE!
No entanto, se você é daqueles que
possui muito medo da palavra liberdade, ela lhe sugere uma outra:
—
ADMINESTRE-SE!